Após confessar o assassinato da esposa, sargento enfrenta julgamento dia 20
Paulo de Sousa, especial para O Poti
A dona de casa gaúcha Andréia
Rosângela Rodrigues foi assassinada
no dia 22 de agosto de 2007. No
próximo dia 20, mais de quatro anos
e meio depois, finalmente irão à júri
popular os acusados do crime. No
banco dos réus, o sargento da
Aeronáutica Andrei Bratkowski Thies,
marido da vítima e réu confesso do
homicídio; o pai dele, Amilton Thies,
acusado de ter ajudado o filho na
morte da nora; e a mãe do sargento,
Mariana Bratkowski Thies, apontada
como mentora do crime. A irmã de
Andreia, a doméstica gaúcha Priscila
Rodrigues, e o delegado que apurou
o caso, Raimundo Rolim, esperam
pela condenação dos três. O
advogado dos réus, Álvaro Filgueira,
está na expectativa de uma
"condenação justa" para Andrei e da
absolvição de Amilton e Mariana.
A sessão do júri irá acontecer no
fórum de Parnamirim, no centro da
cidade, com início marcado para as
9h do dia 20. Ela será presidida pela
juíza Cinthia Cibele Diniz de Medeiros,
a quarta magistrada a estar à frente
do processo contra a família Thies.
Deverão depor durante o julgamento
cinco testemunhas de acusação e
outras cinco de defesa, além dos três
réus. A expectativa é que todo o júri
dure dois dias.
Cinthia Cibele adverte que, apesar de
o acesso à sessão do júri ser liberado
ao público, o espaço do fórum não
comportará multidões. Por isso, a
entrada se dará por ordem de
chegada e não ultrapassará a lotação.
Haverá restrições ao trabalho da
imprensa, alegando a magistrada que
"pela notoriedade do caso e sua
repercussão, tentaremos garantir a
tranquilidade para o trabalho da
acusação e defesa, assim como
preservar os jurados". Assim, não será
permitido o uso de câmeras, sejam
fotográficas ou de vídeo.
O caso Andréia teve início no final de
agosto de 2007, quando a família
Thies procurou a polícia, dizendo
estar preocupada com o
desaparecimento da dona de casa
gaúcha, que, segundo versão dada
por eles à época, teria saído para
comprar um cigarro no dia 22 e não
mais retornara. Por cerca de um mês
as investigações não tiveram grandes
avanços, até que o delegado
Raimundo Rolim, então titular da
Delegacia Especializada de Homicídios
(Dehom), assumiu o caso. Rolim
passou a tratá-lo não mais como um
caso de desaparecimento, mas de
assassinato.
Após várias buscas, da prisão de
Andrei por posse ilegal de armas e
depoimentos confusos, Raimundo
Rolim encontrou o corpo de Andréia
Rosângela enterrado no quintal da
casa onde estavam morando toda a
família Thies, no conjunto Ponta
Negra, no dia 29 de outubro de 2007.
Os pais de Andrei e seu irmão
Rodrigo foram então detidos por
ocultação de cadáver. O que intrigou
o delegado durante a apuração do
caso foram as várias versões dadas
pelos Thies de como tinha ocorrido o
assassinato, executado no dia 22 de
agosto. No final daquele ano, todos
foram indiciados pelo crime.
Em março de 2008, o então titular da
1ª Vara Criminal de Parnamirim, o juiz
Eduardo Feld, passou a colher os
depoimentos dos acusados. A versão
definitiva apresentada pela defesa foi
a de que Andrei Thies teria praticado
todo o crime sozinho, sem a
participação de qualquer outro da
família. Em julho do mesmo ano, ele
ouviu as testemunhas de acusação,
inclusive o delegado Raimundo Rolim.
Ao final dessas audiências, ele decidiu
por suspender a prisão preventiva
contra Amilton, Mariana e Rodrigo
Thies, esse último já absolvido das
acusações. Quatro meses depois, a
juíza Arklenya Pereira, que assumiu a
presidência da Vara, voltou a decretar
a prisão dos pais do sargento. A
magistrada passou a ouvir as
testemunhas de defesa ainda em
dezembro daquele ano.
O ano de 2009 foi marcado pelos
vários depoimentos de testemunhas
colhido por cartas precatórias, não
somente em Natal, mas também em
Belo Horizonte (MG) e Porto Alegre
(RS), além da espera pela
apresentação das alegações finais,
tanto da acusação quanto da defesa.
Essa última entregou suas alegações
apenas em fevereiro de 2010. Nesse
mesmo mês, no dia 22, a juíza Daniela
do Nascimento Cosmo, que assumiu
a 1ª Vara Criminal de Parnamirim,
decidiu então por levar Andrei,
Amilton e Mariana Thiesa júri popular
pelos crimes de homicídio qualificado
(motivo torpe, meio cruel e sem
chance de defesa da vítima) e pela
ocultação de cadáver.
A partir daí, o advogado dos Thies,
Álvaro Filgueira, passou a recorrer da
decisão de levar os pais do sargento a
júri popular, o que prolongou a
espera pela marcação da data do
julgamento. Mesmo depois da
desistência do defensor dos réus de
recorrer, a secretaria da 1ª Vara
Criminal de Parnamirim justificava a
demora na definição da data por
causa da extensa pauta do fórum e
dos frequentes pedidos de diligências
preparatórias. Somente no dia 24 de
novembro do ano passado é que foi
marcada a sessão do júri.
"Nunca tinha visto tamanha
crueldade"
O desfecho do caso que o delegado
Raimundo Rolim considera como o
mais complexo da sua carreira está
próximo. Ele se diz esperançoso e
aguarda que "a Justiça cumpra o seu
papel, já que nós da Polícia
cumprimos o nosso". Mesmo
passados vários anos do crime, o
delegado se diz perplexo pela
perversidade de como o crime foi
cometido. "Nunca tinha visto tamanha
crueldade e tamanho planejamento
para um crime. Todos participaram e
tinham conhecimento do que
estavam fazendo". Para ele, cabe
agora ao tribunal "dar uma resposta à
sociedade diante de um crime tão
bárbaro".
Raimundo Rolim acredita que todo o
drama de Andréia Rodrigues
começou quando ela veio morar em
Natal com Andrei Thies em um kitnet,
em meados de 2007. "A situação dela
complicou-se porque o sargento
morava na casa dos pais e não queria
sair de lá. Por isso trouxe a Andréia e
a bebê para morar na casa de
Amilton e Mariana". Segundo o
delegado, a relação entre a vítima e a
sogra era bastante conturbada. "Ela
chegou a ser agredida pela Mariana".
A dona de casa gaúcha chegou a
voltar a morar no kitnet e abandonar
o sargento e isso não agradou Andrei.
"Ele ficou dividido entre a esposa e a
mãe".
O delegado afirma que a partir de
então, Mariana Thies passou a
arquitetar a morte de Andréia. "Ela
chegou a registrar dois boletins de
ocorrência contra a Andréia, alegando
que a nora queria levar embora a
filha do casal". Andrei resolveu então
alugar uma casa em frente a dos pais,
no conjunto Cidade Verde, em Nova
Parnamirim, onde passou a viver com
a Andréia. "E ele foi astuto, pois
colocou a esposa como locatária para
que a cobrança de aluguel recaísse
sobre ela, caso ela desaparecesse. Até
nisso eles foram sádicos".
Segundo Rolim, duas semanas depois
de o casal estar morando nessa casa,
Andrei discutiu com a esposa e a
agrediu. "Ela disse que pretendia
deixá-lo e voltar para o RS,
juntamente com a filha deles. Foi
então que ele a ameaçou de morte,
dizendo que ela sairia dali somente
dentro de um caixão", relata o
delegado. No dia seguinte a essa
agressão, conforme apurado por
Raimundo Rolim, o sargento não foi
trabalhar. Andréia, assustada,
trancou-se no banheiro, enquanto a
filha mais velha, Andressa, saia para o
colégio. Quando a garota retornou da
escola, por volta do meio-dia, não
pode mais entrar em casa, pois o
crime já tinha acontecido. Andrei, por
sua vez, disse à jovem que a mãe
tinha saído para comprar um cigarro
e não mais apareceu. "A menina
nunca mais entrou naquela casa".
Mudança de rumos
A versão de "desaparecimento" foi
sustentada pelos Thies até que o
delegado Raimundo Rolim ter
encontrado o cadáver da vítima na
casa que o sargento alugou para os
pais em Ponta Negra. Foi então que os
acusados passaram a dar várias
versões para aconteceu o crime. "O
depoimento do Andrei foi o mais
extenso da minha carreira: 23 horas
seguidas. Ele mentiu diversas vezes e
fui confrontando todas as versões",
diz o delegado.
Pelo que foi apurado pelas
investigações e depoimentos tomados
por Rolim, no dia 22 de agosto de
2007, depois que Andressa deixou a
casa, o sargento passou a discutir
com Andréia, que queria abandoná-
lo. "Andrei aplicou um golpe mata-
leão nela, que a deixou desacordada.
Ele a colocou na cama e correu para
chamar o pai, achando que já a tinha
matado. Amilton viu a situação e quis
tirar o bebê dali, momento em que
Andréia acordou e partiu para cima
de Andrei. O sargento a agarrou e o
pai dele aplicou um golpe de faca".
Essa versão foi dada por Amilton
Thies em um dos depoimentos.
Segundo Rolim, ela pode ser
comprovada pelo fato de o corpo de
Andréia ter apresentado uma lesão
em uma das costelas, condizente com
o golpe de faca. No entanto, Andrei
contesta isso alegando que o
ferimento ocorreu quando ele
estrangulava a esposa. "Ele diz que
caiu por cima dela na ponta da cama,
o que teria provocado o ferimento
fatal. Mas as provas periciais garantem
que essa lesão não foi provocada pela
cama".
Ainda de acordo com Rolim, após o
crime, Andrei e Amilton colocaram o
corpo da dona de casa dentro da
geladeira e trancaram a casa.
Naquelamesma manhã, conforme o
delegado, o sargento foi à casa em
Ponta Negra, que ainda não tinha sido
alugada, para saber como poderia
esconder o corpo. "Provavelmente
eles já estavam de olho nessa casa
para usá-la no crime, mas o
assassinato acabou sendo
antecipado". Como não houve tempo
para levar o corpo até ali antes da
chegada de Andressa da escola,
Andrei e Amilton teriam, no dia
seguinte, tirado o cadáver de Andréia
da casa e colocado em um freezer na
empresa em que o pai do sargento
trabalhava. "Somente dias depois
levaram para casa em Ponta Negra".
Para o delegado, há provas suficientes
para condenar os três réus. "Tanto
periciais quanto testemunhais, assim
como a confissão do réu. Além disso,
encontramos o corpo na casa da
família e a reprodução simulada que
fizemos, totalmente documentada,
conseguiu materializar a versão que
apresentamos no inquérito e
descartamos as mentiras dadas nos
depoimentos". Ele ressalta que todo o
assassinato foi arquitetado por
Mariana Thies. "Ela foi a mentora
intelectual".
"Espero uma condenação justa" -
Advogado espera que pais de
Andrei sejam absolvidos
As únicas expectativas do advogado
Álvaro Filgueira são que haja uma
"condenação justa" para Andrei Thies
e que o restante da família do
sargento seja absolvida. A tese que
será sustentada pela defesa durante o
júri será a de que Andrei agiu
sozinho, tanto ao matar a esposa
quanto ao ocultar o cadáver, e sem
premeditar o crime. No entanto, ele
teme que os jurados e a magistrada
que presidirá o julgamento sejam
"contaminados pelo clamor público".
Álvaro Filgueira diz que a
possibilidade de os jurados serem
influenciados pela opinião pública é
um risco que ele terá que correr. "Isso
não deveria acontecer, pois a Justiça
tem que ser técnica. Quando não há
júri popular, é assim que se procede.
Espero que os jurados se desarmem
e julguem de forma objetiva". Ele está
apreensivo que o "clamor da
sociedade" chegue inclusive a
influenciar a decisão da pena. "É
incabível a pena máxima, uma vez
que se trata de um réu primário.
Espero uma condenação justa".
O advogado considera a denúncia
feita pelo Ministério Público sobre a
participação de Amilton e Mariana
Thies no crime como "desastrosa".
"Mariana sequer foi indiciada pelo
delegado". Inclusive, ele pretende
apresentar uma testemunha crucial
para a sua tese. "Trata-se de uma
funcionária de uma loja no Alecrim
que Amilton realizou uma compra no
estabelecimento no momento do
crime".
Andrei Thies está detido na Base
Aérea de Natal (Bant) em uma cela
individual. Segundo o seu defensor, o
sargento está "tranquilo, consciente e
confiante". Ainda conforme o
advogado, seu cliente não tem
qualquer regalia. "Os únicos
benefícios que ele tem é o banho de
sol, a assistência psiquiátrica e
religiosa". Apesar de ser réu confesso,
o sargento ainda não foi desligado da
Aeronáutica e continua recebendo a
remuneração por sua patente. "A
exclusão só acontecerá com o
processo em trânsito julgado [quando
não houve mais possibilidade de
apelações]".
Já a situação dos pais do sargento, na
opinião de Álvaro Filgueira, não tem
sido nada confortável. Amilton Thies
está detido no Presídio Provisório
Raimundo Nonato e Mariana Thies na
ala feminina do Complexo Penal João
Chaves, ambos na Zona Norte de
Natal. "E passam por todo o
sofrimento de um preso comum". O
advogado relata ainda que ambos
estão bastante apreensivos. "Eles
temem que haja injustiça, que eles
paguem pelo que não cometeram".
Além da tal funcionária da loja no
Alecrim, as testemunhas de defesa
serão Viviane Thies, irmã de Andrei; a
psicóloga que acompanha o sargento
e os dois médicos legistas que fizeram
a necropsia do cadáver de Andréia.
"A sentença depende dos jurados"
Corpo foi encontrado no quintal da
casa dos Thies
A promotora Ana Márcia Morais, que
atuará na acusação dos réus nesse
julgamento, diz que seu trabalho se
resumirá a apresentar as provas que
levarão a condenação dos acusados
como autores e co-autores do crime.
"E a sentença dependerá dos
jurados". Ela afirma ter começado a
estudar com mais detalhes o
processo na última quinta-feira, e,
mesmo atuando desde o início no
caso, alega que "ainda não parei para
esmiuçar todo o processo".
Ainda de acordo com a promotora, o
processo contém várias provas
periciais e depoimentos que apontam
a participação dos réus em ambos os
crimes. "Apesar de não ter
testemunhas oculares do assassinato,
há provas materiais e até confissões.
Não será difícil chegar à condenação,
pois a Polícia foi muito feliz em colher
provas". A acusação ouvirá o
testemunho do delegado, de três
peritos, do irmão adotivo de Andréia,
Alexandre Marotzky, e a esposa
desse, Maria Lídia Job Marotzky.
Principais personagens
Andréia Rosângela Rodrigues, 37 anos
Dona de casa
Vítima assassinada
Andrei Bratkowski Thies, 39 anos
Sargento da Aeronáutica
Réu confesso
Amilton Thies, 63 anos
Contador
Co-autor do assassinato
Mariana Bratkowski Thies, 65 anos
Dona de casa
Mentora