Crescem denúncias de abuso sexual

domingo, 25 de março de 2012

Roberto Lucena - Repórter
O juiz da 2ª Vara da Infância e da
Juventude, Sérgio Maia, julgou, nos
últimos quatro anos, 308 casos de
abuso sexual cometidos contra
menores de idade em Natal. O
número pode parecer pequeno se
comparado com o tamanho da
população. No entanto, até semana
passada, a Delegacia Especializada de
Defesa da Criança e do Adolescente
(DCA) instaurou 43 inquéritos e
remeteu 35 à Justiça. Os casos se
repetem quase que diariamente. Os
acusados são, na maioria das vezes,
parentes ou pessoas que têm
proximidade e confiança da vítima. O
combate e investigação desse tipo de
crime, no Rio Grande do Norte, são
incipientes. Há apenas uma unidade
da DCA para atender todo Estado.
O tema voltou à discussão às
vésperas do Carnaval desse ano. No
dia 17 de fevereiro, a polícia prendeu
o motoboy José Antônio da Silva, 31
anos. Ele é acusado de cometer vários
estupros contra menores de idade de
ambos os sexos em diversos bairros
da cidade. José Antônio agia à luz do
dia e abusava de suas vítimas no
meio da rua. O acusado, que já foi
preso outras vezes pelo mesmo
crime, é pai de um casal de filhos. No
início desse mês, o menino
completou 12 anos. O pai, preso no
Centro de Detenção Provisória (CDP)
do Panatis, não vê o filho desde que
foi preso. "Minha vida acabou. No
aniversário do meu filho, não pude
dar os parabéns a ele porque estou
preso", disse José Antônio.
Com a mesma aparente tristeza que
pronuncia a frase acima, o acusado
conta como agia com as crianças de 8
a 15 anos que ele abusava. "Eu via a
pessoa na rua e não sabia o que
acontecia. Alguma coisa me dominava
e eu fazia. Esse problema eu tenho
desde 2001. Já pedi ajuda para
resolver e ninguém faz nada. Só me
julgam sem saber o que acontece
comigo". José Antônio não conhecia
suas vítimas. Na DCA, até sexta-feira
passada, 14 meninas e 13 meninos já
tinham reconhecido o motoboy como
"monstro" que os violentou.
De acordo com especialistas, o caso
de José Antônio é uma exceção à
regra. Segundo o psicólogo Jean Von
Hohendorff, as estimativas apontam
que cerca de 80% dos casos de
violência sexual são perpetrados por
pessoas que possuem
relacionamento próximo com as
vítimas. "O vínculo de confiança que
uma criança possui com um adulto
pode ser utilizado para o
cometimento de uma agressão,
sendo estes vínculos mais presentes
entres pessoas próximas", explica.
Mas o que motiva um ser humano a
abusar sexualmente de uma criança?
Para o psicólogo, essa é uma questão
ainda sem resposta definitiva e que
vem despertando o interesse da
comunidade científica. "Sabemos que
existem certos fatores de risco para a
ocorrência da violência sexual contra
crianças: abuso de drogas e
alcoolismo, histórico de violência,
histórico de transtornos psicológicos,
dificuldades de relacionamentos,
dentre outros. Não podemos pensar
em apenas um fator ou motivador do
comportamento agressivo, mas sim,
devemos considerar a junção de
diferentes fatores devido à
complexidade do assunto".

Alberto Leandro
Especialistas alertam que os pais
precisam estar atentos às reações e
comportamento das crianças
O juiz Sérgio Maia afirma que a
maioria dos réus nega a autoria do
crime ao qual são acusados. "Acredito
que mais de 90% dos acusados nega
que tenha cometido o abuso", afirma.
Por causa disso, o magistrado, apesar
de estar à frente da 2ª Vara da
Infância e da Juventude e ser o
responsável pelo julgamento dos
crimes contra dignidade sexual dos
menores de idade, há mais de dez
anos, desconhece os motivos que
levam os criminosos a agirem. "Não
dá para se aprofundar nesse aspecto.
Eles dizem que foi um momento de
fraqueza, culpam a mãe da vítima e
dificilmente confessam o crime",
afirma.
A partir de 2009, o combate aos
crimes sexuais contra crianças e
adolescentes ganhou um reforço
quando o artigo 214-A do Código
Penal entrou em vigor. A Lei define o
"estupro de vulnerável" e qualifica o
crime como hediondo. Segundo o
artigo, é passível de prisão que varia
de 8 a 15 anos aquele que mantiver
"conjunção carnal ou praticar outro
ato libidinoso com menor de catorze
anos". Para o juiz Sérgio Maia, a Lei
foi um avanço. "Porque antes só era
qualificado como estupro o crime
contra mulheres e se houvesse a
conjunção carnal. Agora não é mais
assim. Houve um avanço no
enquadramento do agressor", afirma.
Outra evolução, segundo o
magistrado, também ocorreu em
2009. Atualmente, as ações contra os
criminosos são classificadas como
públicas incondicionadas. "Ou seja,
não é necessário que um parente da
vítima denuncie o crime. Esse tipo de
violência é de interesse da
coletividade e órgãos como Conselho
Tutelar ou Ministério Público podem
ser os denunciantes", diz.
Apesar dos avanços e do número de
processos julgados nos últimos
quatro anos, Sérgio Maia afirma que
muitos casos não vêm à tona.
Denúncias deixam de ser feitas por
vários motivos. A dependência
financeira e emocional que a vítima
tem do agressor é um dos principais
deles. "Temos esses 308 casos
julgados, mas esse é um número que
não dá para mensurar o que de fato
acontece. Sei que isso não é a
realidade em nossa cidade. Nos
últimos anos, é verdade que tivemos
aumento das denúncias. Mas será
que isso ocorre porque está se
cometendo mais crimes ou porque a
sociedade está ficando mais
consciente?", questiona.
Denúncias de crimes contra crianças
podem ser feitas através do Disque
100. Na internet, é possível entrar em
contato com autoridades no site
ww.disque100.gov.br.
Casos de abuso chegam de todo o
Rio Grande do Norte
A menina corre de um lado para
outro apontando para os cartazes
fixados nas paredes. Neles, estão
retratos em preto e branco de rostos
de homens procurados pela Justiça.
"Moço, porque o policial anda com
uma arma na cintura?", pergunta a
menina de seis anos ao observar um
agente policial. "Para se defender dos
bandidos", responde o repórter. A
menina fica pensativa por um instante
e, logo em seguida, volta a correr
pelos corredores do prédio.
A cena foi registrada na Delegacia
Especializada de Defesa da Criança e
do Adolescente (DCA). É lá onde
crianças como a pequena Jaqueline
[nome fictício] são levadas por pais
ou familiares para denunciarem
abusos sexuais sofridos. O ambiente
não é agradável e nem de longe
lembra o universo infantil. O prédio
localizado no bairro Tirol, há mais de
dez anos, abriga a unidade policial
sem nunca ter passado por reformas
ou melhorias. As histórias ouvidas ali
são carregadas de sofrimento e dor.
Histórias como a de Jaqueline. "Ela foi
passar uns dias na casa do pai dela. O
sogro dele já um senhor de idade. Foi
ele quem abusou da minha filha.
Mostrava o pênis para ela e ficava
apalpando as partes íntimas.
Mandava que ela sentasse no colo
dele com as pernas abertas. Graças a
Deus nós descobrimos e agora eu vim
denunciar esse monstro", relata a
mãe de Jaqueline, moradora do
bairro Nossa Senhora da
Apresentação.
Os pais de Jaqueline são separados.
Às vezes, a menina vai para casa do
pai onde fica alguns dias. Na última
ida, ocorrida no início de fevereiro,
Jaqueline quis voltar para casa da
mãe. Sem dizer o motivo, chorava e
pedia que a mãe fosse buscá-la. Ao
retornar para casa, contou os
momentos de pavor que viveu. "Eu
perguntei a ela o que tinha
acontecido. Começou a chorar e me
disse tudo. Fiquei desesperada e por
isso procurei a delegacia", diz a mãe.
O titular da DCA, delegado Correia
Júnior, ouve histórias parecidas todos
os dias. À frente da delegacia desde
outubro do ano passado, ele diz que
o "estupro de vulnerável" é o crime
mais comum cometido contra
crianças e adolescentes. "Infelizmente
essa é a nossa realidade. No geral, os
crimes contra a dignidade sexual
lideram nossas estatísticas. O mais
grave é que, geralmente, parentes ou
pessoas próximas da vítima estão
envolvidas. Seja como agressor ou
acobertando este", relata.
Só existe uma unidade da DCA para
atender os 167 municípios do Rio
Grande do Norte. A estrutura,
segundo o delegado, está longe de
ser a ideal. "Mas é o que temos e
assim vamos trabalhando. Chega
demanda de municípios de todas as
regiões. Os delegados das outras
cidades são orientados a também
apurarem esses crimes", diz.
A psicóloga forense Mariza Sarava
Guerra é a responsável pelos laudos
psicológicos de adultos e crianças
expedidos pelo Itep. Laudos infantis
são realizados apenas em Natal. No
momento, o Itep tem uma equipe de
três psicólogas e uma única sala de
atendimento para crianças. "O laudo
serve para atestar o crime. Não é
necessário que a vítima apresente
lesão corporal nem indício de
conjunção carnal para comprovar o
estupro", diz a psicóloga.
Bate-papo
Jean Von Hohendorff » fpsicólogo e
mestre UFRS
"Pode ser alguém acima de qualquer
suspeita"
É possível reconhecer um possível
agressor de crianças? Há algum
comportamento suspeito que
mereça atenção especial?
Dizer que existe um perfil de
agressores é muito arriscado, tendo
em vista a singularidade existente
entre eles. Porém, estudiosos indicam
que, ao contrário do que a população
em geral acredita, um agressor sexual
pode ser qualquer pessoa, até
mesmo aquelas que são consideradas
acima de qualquer suspeita. Existe o
mito de que os agressores são
"monstros" que serão facilmente
reconhecidos devido a certos
comportamentos ou a sua aparência
física. O que se sabe é que crianças
costumam se aproximar de pessoas
que as tratam com gentileza e
demonstram interesse por elas.
Devido a isso, muitos agressores
acabam se valendo de
comportamentos gentis para com as
crianças com o objetivo de conquistar
sua confiança e, assim, cometer um
ato de violência.
É possível dizer que um agressor
pode ter sido abusado quando
criança? Ou não há relação direta
entre uma coisa e outra?
Não há evidências de uma relação
direta. Os resultados de pesquisas
indicam que apenas uma parcela de
agressores foi vitimizado na infância.
É possível dizer que isso é uma
doença? Ou a pedofilia não se
enquadra como "doença"?
A pedofilia é um transtorno mental.
Para serem considerados como
pedófilos, os agressores devem
possuir certas características, o que
chamamos de critérios diagnósticos.
Uma pessoa com o diagnóstico de
pedofilia é aquela que ao longo de,
no mínimo seis meses, teve fantasias
sexuais recorrentes, impulsos sexuais
ou comportamentos envolvendo
atividade sexual com uma (ou mais
de uma) criança com idade inferior a
13 anos. Para o diagnóstico de
pedofilia, o indivíduo deve ter, no
mínimo, 16 anos e ser pelo menos
cinco anos mais velho do que a
criança ou crianças. É importante
esclarecer, então, que nem todos os
agressores sexuais de crianças são
pedófilos, uma vez que é preciso
atender aos critérios diagnósticos do
transtorno. Um pedófilo, conforme os
critérios diagnósticos, pode nunca ter
cometido uma violência sexual, mas
possuir fantasias sexuais com
crianças.
E qual o tratamento para essas
pessoas?
O tratamento da pedofilia e, também,
de agressores sexuais é um desafio
atual. Isso ocorre por conta da
dificuldade de adesão dos agressores
ao tratamento. Alguns estudos já
foram publicados indicando a
dificuldade em obter êxito com o
tratamento de agressores. Dentre as
estratégias de tratamento que são
pesquisadas, destacam-se a castração
química, o monitoramento contínuo e
a psicoterapia cognitivo-
comportamental.
E a vítima? Quais danos pode sofrer
após um abuso sexual?
Não existe uma síndrome, ou seja,
um conjunto de sintomas que seja
particular à vivência da violência
sexual. Os danos serão de acordo
com o histórico prévio da criança -
por exemplo, uma criança que possui
histórico de sintomas depressivos
tenderá a apresentar um diagnóstico
de transtorno depressivo. Além disso,
é necessário levar em consideração as
circunstâncias nas quais a violência
ocorreu. Pesquisas indicam que
fatores como a proximidade entre
vítimas e agressores, a reação dos
familiares diante da revelação e o
tempo de exposição à violência são
mediadores do impacto.
O que deve ser feito com essa
criança?
O primeiro passo é notificar a
ocorrência da violência sexual ao
conselho tutelar ou outro órgão da
rede de proteção. Por meio dessa
notificação será garantido que essa
criança passe pelos exames médicos
necessários, que o(a) agressor(a) seja
afastado e que a criança seja
encaminhada para tratamento
psicológico. Além disso, é importante
o auxílio à família no sentido de
orientá-la quanto ao manejo com a
criança.

Tribuna do norte

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