Motorista inocente passa 4 anos preso em São Paulo

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Paulo Sampaio, de O Estado de S.
Paulo
SÃO PAULO - De repente, a
enfermeira M. R. A. , vítima de um
assalto em 2001 em Taboão da Serra,
na Grande São Paulo, parou de
folhear o álbum que lhe entregaram
na delegacia, apontou uma das fotos
e disse: “Foi este aqui!”.
O motorista Fabiano Ferreira Russi ,
então com 25 anos, não tinha ideia
do que estava acontecendo quando,
dias depois, recebeu a visita de um
oficial de Justiça que o intimou a
comparecer ao fórum. Sem
experiência em abordagens oficiais
nem dinheiro para contratar
advogado, ele recebeu voz de prisão,
foi indiciado, processado e passou
quatro anos “por engano” na cadeia.
Tudo começou em um domingo de
junho de 1998, quando o ônibus que
levava Fabiano e um grupo de
ruidosos torcedores do Santos ao
Estádio do Morumbi foi parado pela
polícia. “No meio da revista,
soltaram um rojão e policiais
quiseram saber quem foi. Como
ninguém respondeu, foram todos
levados para o distrito. Eram mais
ou menos uns 30.”
Na delegacia, antes de liberar o
grupo, o delegado anotou os
números de RG dos detidos e
mandou bater suas fotografias.
Fabiano, que nunca tinha tido
passagem pela polícia ou se metido
em confusão, virou bandido três
anos depois. A acusação: ter
abordado a enfermeira com um
comparsa em Taboão por volta das
21h 30 de 17 de outubro e a baleado
no joelho. Além dela, uma amiga
estava no local no momento do
crime.
Na hora aproximada do assalto,
Fabiano trabalhava como manobrista
e mensageiro em um hotel quatro
estrelas na Vila Madalena, zona
oeste da capital. Pelo menos duas
testemunhas e um registro na folha
de ponto atestaram. “Nem que
quisesse, ele conseguiria ir de Vila
Madalena a Taboão da Serra a tempo
de cometer o crime”, argumenta a
defensora pública Maíra Coraci
Diniz.
Pesadelo. No fórum, o pesadelo
apenas começava. “Sem eu saber o
motivo, eles me deram voz de
prisão. Falaram do assalto, eu disse
que estava trabalhando. O juiz pediu
que eu solicitasse, por telefone,
comprovação do RH. O funcionário
disse que precisava da autorização
do gerente. E o gerente, a do dono.
O dono ficou com medo de ver o
hotel associado a escândalo e não
mandou.”
O juiz então avisou que, enquanto o
hotel não se pronunciasse, Fabiano
“ficaria recluso”. Após ser intimado,
o hotel enfim enviou a comprovação.
Fabiano, então, assinou um
documento se comprometendo a
comparecer no fórum para as
audiências. No dia seguinte, foi
demitido.
Na audiência de acusação, foi
reconhecido de novo pela enfermeira
- desta vez por trás de um vidro
espelhado. Segundo a defensora,
embora esse tipo de reconhecimento
determine a presença de mais de
dois suspeitos, no caso de Fabiano,
“era ele e ele” . “O pior é que, da
primeira vez, pela foto, ela disse
que o assaltante tinha estatura
mediana. Meço 1,90 m”, diz o
motorista.
Casado com uma cabeleireira,
quatro enteados, Fabiano é filho de
um metalúrgico e uma dona de casa
e diz que os pais ficaram em estado
“deplorável ”.
Na audiência de defesa, uma das
testemunhas “mudou de ideia” e
disse que “não tinha certeza” de que
Fabiano estava mesmo trabalhando
em 17 de outubro. “Contratei um
advogado que era cliente da minha
mulher. Mas ele era tributarista e
disse que não poderia fazer muito.
Criminalista custava R$ 20 mil, R$ 30
mil, não tinha esse dinheiro. ”
Para completar, a enfermeira passou
a dizer que ele a estava ameaçando.
Fabiano diz que jamais viu o rosto
dela. “Ela mora na mesma cidade,
mas não tenho vontade de procurá-
la. Melhor deixá-la viver a vida
dela.”
Condenado em 2005, ele entrou com
recurso e ficou em liberdade. Em
2007, perdeu a apelação: o primeiro
desembargador votou
favoravelmente a ele, o revisor foi
contra e o terceiro o condenou.
Cadeia. Fabiano passou 11 dias no
DP de Taboão da Serra, três meses
no Centro de Detenção Provisória
(CDP) de Itapecerica da Serra, onde
37 pessoas ocupavam cela para 12, e
três meses no CDP de Parelheiros.
Em seguida, ficou 2,5 anos em
penitenciária na divisa com Mato
Grosso. Nesse tempo, leu sobre
processos, estudou Código Penal e
escreveu carta ao presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF) -
que foi parar na mesa de Maíra.
“Em Taboão não há Defensoria
Pública. Senão, ele teria sido
assistido na primeira vez em que
esteve no fórum por um advogado.”
Maíra diz que recebe muitas cartas
como a de Fabiano. “No desespero,
injustiçados escrevem a ministros do
STF, ao presidente da República, ao
papa. ”
Em 2009, após fazer prova do Enem
e lecionar em fundação de amparo
ao preso, ele ganhou direito de
cumprir pena no semiaberto. Está
livre desde 13 de outubro. Pelos
anos perdidos na cadeia, os salários
que deixou de ganhar, as sequelas
em sua história, Fabiano quer ser
ressarcido. “Aprendi que existe
classe rica, média, pobre e a dos
presidiários. Esses não têm suporte
nenhum para reintegração,
ressocialização, nada. ”

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