POR IVENIO HERMES E MARCOS DIONISIO MEDEIROS CALDAS
Mesmo acreditando que o artigo
CVLI: A Nomenclatura e Suas Estatísticas Valorizadoras da Vida, escrito por um dos subscritores da atual lavra, encerraria qualquer dúvida sobre a natureza da pesquisa sobre as mortes matadas no RN, a nota oficial divulgada pela SESED/RN conflita com alguns parâmetros e nos cumpre, como observadores da violência assassina na Terra de Cascudo e de Nísia Floresta, reiterar alguns detalhes que parecem ter ficado obscuros, ou pelo menos é o que denota o texto daquela Secretaria.
“A Secretaria de Estado da Segurança Pública e da Defesa Social (Sesed/RN) vem por meio desta nota comunicar que, ao contrário do noticiado, o número de homicídios no RN não chegou aos mil casos. Tanto por discrepância entre os números divulgados, quanto pela ausência de distinção entre ‘morte por crime violento’ e ‘óbito’.” (Argumento da Sesed/RN)
Importa dizer que não há a menor dúvida sobre o que é apenas “óbito” e “morte por crime violento”, aliás, se usarmos a nomenclatura de “crime violento” apenas, incluiríamos até os homicídios culposos na direção veicular e outros mais. Porém, nossa pesquisa, como não poderia deixar de ser, abrange realmente a amplitude do termo CVLI, Crimes Violentos Letais Intencionais, abordando particularidades que parecem não serem compreendidas.
Justamente devido a esse não entendimento por parte da maioria, utilizamos o neologismo “homicímetro”, por não contarmos somente homicídios, pois se o fizéssemos, teríamos que usar algo do tipo “homicidiômetro”, assim respeitaria mais as raízes do idioma pátrio, docemente chamada da Última Flor do Lácio. E mantemos o hábito de divulgar nossa pesquisa justamente para referendar quem as queira utilizar como meio de construção de um saber mais amplo sobre os elementos causadores da insegurança e do aumento da criminalidade no RN.
Nossa pesquisa é aparente, translúcida e acessível a todos. E quanto à credibilidade, os dados oriundos da Secretaria de Segurança do RN foram considerados de “baixa qualidade e não alimenta o SINESPJC adequadamente”, conforme menciona o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2013, primeiramente na página 12 e depois em todas as páginas onde estão sediados os precários dados oriundos do Rio Grande do Norte.
“Conforme dados oficiais elaborados pelo Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (Ciosp), elaborados com informações do Portal SISNECRO, que é o sistema utilizado pelo Instituto Técnico e Científico de Polícia (Itep) até o dia 9 de julho deste ano, foram registradas 903 mortes violentas.
Porém, os crimes violentos estão subdivididos em: homicídio, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e confronto com a polícia. Neste último caso, o Código Penal Brasileiro aponta: “Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato: III – em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito”.”(Argumento da Sesed/RN)
O artigo 23 do CPB não outorga poderes para que qualquer um isente a conduta de outrem, muito menos de estatísticos que apenas contam números sem a devida análise, por isso que eles são incluídos como CVLI conforme citamos no artigo
CVLI: A Nomenclatura e Suas Estatísticas Valorizadoras da Vida, mas que repetimos abaixo para os esclarecimentos sobre a Metodologia de contagem de Crimes Violentos Letais Intencionais, oriundos de uma Comunicação Institucional orientada pela SENASP à Secretaria da Segurança e da Defesa Social de João Pessoa, mas que dessa vez, além de relatar ipsis litteris, negritamos a parte específica que estamos tratando:
“A sigla CVLI foi criada em 2006 pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), vinculada ao Ministério da Justiça (MJ), com a finalidade de agregar os crimes de maior relevância social, pois além do homicídio doloso outros crimes também devem ser contabilizados nas estatísticas referentes a mortes. Portanto, fazem parte dos Crimes Violentos Letais Intencionais o homicídio doloso e demais crimes violentos e dolosos que resultem em morte, tais como o roubo seguido de morte (latrocínio), estupro seguido de morte, lesão corporal dolosa seguida de morte, entre outros. Ainda são contados os cadáveres encontrados, ossadas e confrontos policiais”.
Lamentável que prestes a completar 8 anos, a sigla sirva a gestores em dificuldades para alimentar polêmicas diversionistas, como se estivéssemos inventando a profusão de CVLI(s) e não apenas orientando nossa desesperada sociedade de que há uma distância lunar entre os discursos oficialescos e a dura realidade das comunidades potiguares.
O conceito foi criado para suprir uma lacuna e alicerçar a construção de um Banco de Dados que uniformizasse e espelhasse a real magnitude da nossa violência, jamais a obnubilar.
E ademais, em nossa pesquisa só consolidamos as vítimas que foram efetivamente assassinadas. A legislação brasileira não coloca uma arma na mão de um policial e o isenta de qualquer crime, pelo contrário, é uma das profissões mais estressantes que existem e por isso mesmo precisa de cuidados com a saúde e comportamento do agente da lei. Não há chancela de nenhuma lei brasileira que dê “uma licença para matar” e qualquer morte causada pela ação humana precisa do devido processo para que ela contemple o agente da lei, não havendo nenhum entendimento de isso ocorra automaticamente.
Recorrendo novamente ao Código Penal, recordamos que a legislação brasileira, não utiliza o termo CVLI, pois como já mencionamos, ele foi criado para uniformizar uma metodologia atípica de contagem de crimes, porém, além do homicídio, do latrocínio, e da lesão corporal seguida de morte e do confronto com a polícia, conforme mencionados em nota oficial da SESED, existem outros que vão além do entendimento jurídico restrito, e abrangem entre os citados, todos os crimes violentos e dolosos que produzam o resultado morte, cuja listagem segue distinta abaixo:
(…) Homicídio doloso (Art. 121, §1º e §2º);
Lesão corporal dolosa seguida de morte (Art. 129, §3º);
Rixa seguida de morte (Art. 137, par. único);
Roubo seguido de morte (Art. 157, §3º);
Extorsão seguida de morte (Art. 158, §3º);
Extorsão mediante sequestro seguida de morte (Art. 159, §3º);
Estupro seguido de morte (Art. 213, §2º);
Estupro de vulnerável seguido de morte (Art. 217-A, §4º);
Incêndio doloso seguido de morte (Art. 250, §1º, c/c Art. 258);
Explosão dolosa seguida de morte (Art. 251, §1º e §2º, c/c Art. 258);
Uso doloso de gás tóxico ou asfixiante (Art. 252, caput, c/c Art. 258);
Inundação dolosa (Art. 254, c/c Art. 258);
Desabamento ou desmoronamento doloso (Art. 256, caput, c/c Art. 258);
Perigo de desastre ferroviário na forma dolosa (Art. 260, §1º, c/c Art. 263);
Atentado doloso contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo (Art. 261, §1º e §2º, c/c Art. 263);
Atentado doloso contra a segurança de outro meio de transporte (Art. 262, §1º, c/c Art. 263);
Arremesso de projétil seguido de morte (Art. 264, par. único), e;
Epidemia dolosa seguida de morte (Art. 267, §1º),
Todos acima estão positivados no Código Penal Brasileiro, e ainda há o delito de tortura seguida de morte, previsto no Art. 1º, §3º, da Lei Nº 9.455/97. (LIMA, p. 24)
E a nota da Sesed segue dizendo:
“Sendo assim, no período de 1º de janeiro a 9 de julho deste ano deverão ser contabilizados 881 homicídios, uma vez que 22 dos casos computados a vítima morreu em confronto com a polícia, segundo os mesmos dados do Ciosp.” (Argumento da Sesed/RN)
Mesmo sem o formidável aparato tecnológico disponível para a SESED computar as dores potiguares, é imperioso pela perseguição da verdade dos fatos, corrigir mais uma vez a missiva oficial e difusa de que não foram efetivamente 22 mortes oriundas de confronto, mas sim 39 em todo no Estado, e daí já se percebe a insustentabilidade dos números oficiais do RN, quando são divulgados. Talvez por isso, os mesmos não sejam divulgados cumulativamente, mas de maneira fatiada, por vezes com o site saindo do ar e muitas vezes também com imprecisão de dados.
“A distribuição do número de ocorrências registradas pelo ITEP, tipo crimes violentos letais, por tipo, de 01 de janeiro a 09 de julho de 2014, no Estado foi de 688 para homicídio doloso, 170 para lesão corporal seguida de morte, 23 roubo seguido de morte (latrocínio) e 22 mortes de confrontos com a polícia.
Destaca-se ainda que os casos de morte apontados pelo Itep como ‘a esclarecer’ tem sido computados dentro do número total de mortes, o que leva a uma leitura incorreta dos dados.” (Argumento da Sesed/RN)
Nenhum caso que tenha o termo “a esclarecer” é consubstanciado na pesquisa que realizamos, inclusive alguns onde se percebe nítida discordância entre o ITEP e outras fontes, preferimos não inserir, ficando em uma lista separada para confirmação, como o caso de Laudijânio Gomes Neves, cuja morte foi constatada com sendo por afogadmento na Barragem do Genésio, em Mossoró, e no sistema oficial consta como homicídio por arma de fogo, conforme pode ser observado no print abaixo:
Aliás, os Casos a Esclarecer bem como a Taxa de Elucidação de Homicídios serão oportunamente tratados por nossa pesquisa. E não será para escandalizar, em qualquer situação, a realidade, por mais dura que seja, é uma amiga que pode nos prostrar em pranto mas nunca irá nos decepcionar.
Tivéssemos computado essa informação e outros que achamos também insólitas, os 1000 CVLIs teriam chegado mais cedo. Nosso intuito não é escandalizar mas produzir um conhecimento mais próximo da realidade para servir às Instituições e à Sociedade Potiguar.
Nenhum homem é detentor de todo saber e conhecimento humano, e como tais, estamos buscando a promoção da paz por meio de análises e construção voluntária e gratuita de material que pode enriquecer uma gestão pública que assim a queira usar.
Para isso, estudamos, trabalhamos e, sobretudo, dialogamos.
Nosso trabalho é edificado com a colaboração de inúmeros Conselheiro Tutelares, Policiais, Militantes de Direitos Humanos, Promotores de Justiça, Médicos, Enfermeiros e até por gestores da área de segurança que nos incentivam, confirmam dados e nos passam informações que deveriam estar devidamente ao acesso de todos em respeito à Lei de Acesso à Informação.
Não buscamos antagonismos nem rusgas, insistimos em participar do difícil debate sobre Segurança Pública, Direitos Humanos e o necessário Acesso à Justiça e concomitantemente e mesmo em decorrência, tencionamos somar para o crescimento social e democrático de uma sociedade civilizada e fundamentada no princípio da isonomia, transparência e da liberdade, onde possamos andar com o mínimo de segurança e desfrutar de convivências comunitárias e familiares uns com os outros e que os crimes e ilegalidades cometidos por exceção (e não como regra como nos dias que correm) sejam tratados na forma da Lei pra salvaguardar o tênue Estado de Direito conseguido por jovens que lutaram pela redemocratização do país e que se martirizaram para assegurar a frágil Democracia em que vivemos. Com todos os seus defeitos, mas Democracia. E cuidemos bem dessa democracia pois a mesma está em risco uma vez que se desconhece na história da humanidade, Estado Democrático de Direito que tenha resistido com o moto-contínuo de 50 mil Mortes Matadas por ano quer a chamemos de CVLIs, Homicídios, Latrocínios ou por quaisquer outros nomes.
À guisa de fecho e por provocação, transcrevemos os belos versos de Ferreira Gullar:
“Morrem quatro por minuto
nesta América Latina
Não conto os que morrem velhos,
só os que a fome extermina.
Não conto os que morrem velhos
que, na América Latina,
esses são poucos; os homens
aqui mal passam dos trinta.
Não conto os mortos de faca
nem os mortos de polícia;
conto os que morrem de febre
e os que morrem de tísica.
Conto os que morrem de bouba
de tifo, de verminose:
conto os que morrem de crupe
de cancro e schistosomose.
Mas todos esses defuntos,
morrem de fato é de fome,
quer a chamemos de febre
ou de qualquer outro nome.
Morrem de fome e miséria
quatro homens por minuto
embora enriqueçam outros
que deles não sabem muito”.
A fome, estamos vencendo. Já temos, inclusive, problemas de saúde em decorrência da obesidade.
Urge que nossa Democracia, construa e publicize os dados da nossa Real Violência e que estruturas da Segurança, da Justiça, das Academias Universitárias, dos Parlamentos e Sociedade Civil consigam estancar essa sangria violenta e que os relativos sucessos em outras políticas públicas nos impulsionem para que nossa Democracia “não morra muito melhorada” em decorrência de homicídio cívico ou de Crime Cívico Letal Intencional.
Outro poeta, mais recente e mais desesperado, nos avisou em sua fugaz vida que o tempo não para!
A essa altura já são, PELO MENOS, 1024 Mortes Matadas no RN, além de, PELO MENOS, 363 Tentativas de Homicídio.
Vamos virar essa página dantesca de violência contra homens, mulheres, crianças, adolescentes, policiais, população em situação de rua, gays, lésbicas, travestis e jovens na Terra de Poti?
Ou também vamos continuar a aprofundar a criminalização e o encarceramento da pobreza e dos movimentos sociais?
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SOBRE OS AUTORES:
Ivenio Hermes é escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves, ativista de direitos humanos e sociais e pesquisador nas áreas de Criminologia, Violência Homicida, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.
Marcos Dionísio Medeiros Caldas, advogado e militante dos Direitos Humanos, Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos/RN e Coordenador do Comitê Popular da Copa – Natal 2014, com efetiva participação em uma infinidade de grupos promotores dos direitos fundamentais, além de ser mediador em situações de conflito entre polícia e criminosos e em situações de crise de uma forma geral.
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REFERÊNCIAS:
CAPPI, Carlo Crispim Baiocchi; GUEDES, Flúvia Bezerra Bernardo; SILVA, Vinícius Teles da. Importância da Adoção de um Modelo Único de Contagem dos Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI). Conjuntura Econômica Goiana,Goiânia Go, v. 5, n. 27, p.103-113, dez. 2013. Mensal.
LIMA, Vinícius Cesar de Santana, Crimes Violentos Letais Intencionais: Uma Metodologia de Classificação.
Governo do Estado da Paraíba (Org.). Metodologia de contagem de Crimes Violentos Letais Intencionais: Secretaria da Segurança e da Defesa Social. João Pessoa: Secretaria de Estado da Comunicação Institucional, 2013. 1 p.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA; Fórum Brasileiro de Segurança Pública (Org.). Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2013. 7. ed. São Paulo: Open Society Foundations e Fundação Ford, 2013. 138 p.
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DIREITOS AUTORAIS E REGRAS PARA REFERÊNCIAS:
É autorizada a reprodução do texto e das informações em todo ou em parte desde que respeitado o devido crédito ao(s) autor(es).
HERMES, Ivenio; CALDAS, Marcos Dionisio Medeiros. Esclarecimentos Extras: Crimes Violentos Letais Intencionais e Riscos de Crimes Cívicos Letais Intencionais. 2014. Disponível em: <
http://j.mp/1tCIhME >. Publicado em: 23 jul. 2014.