CVLI: A NOMENCLATURA E SUAS ESTATÍSTICAS VALORIZADORAS DA VIDA

terça-feira, 22 de julho de 2014


POR IVENIO HERMES

A contagem de mortes violentas letais intencionais parece imersa numa escuridão desconhecida, os estados adotam seu sistema próprio de contagem e a falta de uniformização parece não produzir estatísticas confiáveis. Sob esse problema que afeta diretamente a sensação de segurança, o registro de homicídio doloso ficou obsoleto como meio de quantificar a violência homicida, e para isso uma nova metodologia de contagem, advinda do equilíbrio entre os meios científicos e os jurídicos, criou a classificação de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI).

ESTATÍSTICA CONFORTÁVEL

O termo CVLI foi criado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), e embora continue variando dentro dos estados que teimam em não se adequar, o modelo tem requisitos necessários para uma catalogação que trace um perfil correto na aferição da criminalidade homicida.

Criar formas de gerar medo na população através de falsos informes sobre a violência homicida não é algo que seja concebível, principalmente entre aqueles que labutam pelas garantias dos direitos humanos. Por outro lado, promover uma sensação de segurança inexistente não deve ser o comportamento daqueles responsáveis diretamente pela segurança pública, pois esta, não é uma mera sensação onde apenas uma parcela da população que vive em locais privilegiados possa receber, ela é um bem comum a todos, conforme nos esclarece Moraes (2009, p. 393-394) quando diz:


Segurança Pública não é uma sensação, mas um bem sóciojurídico de índole constitucional, universal, indivisível e difuso, tutelado pelo Estado. Consequentemente, os serviços destinados a sua garantia não podem ser fracionados a fim de atender seletivamente pessoas ou grupos, pois são destinatáriostodos os cidadãos (…)

Portanto, omitir dados dentro de uma perspectiva de geração de uma falsa sensação de segurança, promove a subnotificação, que é um mal que afeta a construção de diretrizes de ação de combate ao crime, e gera impunidade naqueles criminosos que praticaram os crimes não informados e desconfiança no sistema de segurançapara aqueles que são as vítimas reais desses crimes.

A tentativa de alguns estados de formar um conceito ilegítimo de CVLI busca substância na publicação do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2013, que diz, por exemplo, na página 16 que “(3) A categoria “Crimes Violentos Letais Intencionais” agrega as ocorrências de Homicídio Doloso, Latrocínio e Lesão Corporal seguida de Morte.”Contudo, vale ressaltar que o documento é gerado com base nas informações fornecidas pelas Secretarias de Segurança dos Estados, inclusive alegando desconhecimento de outra fonte.

Algumas Secretarias Estaduais respaldam a não adoção da normatização de contagem de CVLI, dizendo que não existe um documento impositivo sobre o método adotado pela SENASP, alguns estados divulgam os números mais convenientes, desafiando a lógica científica em prol de agendas individuais, e isso nos é alertado por Cappi, Guedes e Silva (2013 – pg 5):


Assim, para efeitos estatísticos, parte das ocorrências que seriam CVLI ou registros de homicídio acabam sendo “maquiadas”, mesmo que de forma lícita, já que os dados não são omitidos, mas sim alocados em campos específicos, menos gravosos aos índices oficiais de criminalidade. Para poder apresentar índices mais favoráveis, os Estados criam suas próprias regras sobre o que pode ou não ser considerado homicídio, construindo estatísticas de pouca credibilidade e que dificultam especialmente a comparação da eficiência e da eficácia da atuação das forças de Segurança Pública dos Estados.

Divulgando dessa forma, os estados criam informações de que algumas ações têm surtido certo resultado em alguns tipos de crimes, destacando algumas de aparente visibilidade, como aquelas de combate ao crime contra o patrimônio, mas seus resultados positivos são pontuais, e quase sempre, derivam da prisão em flagrante por parte da polícia ostensiva, muitas vezes com apoio de cidadãos. Já no caso dos homicídios, certamente que haveriam melhores resultados se houvesse a construção de uma estatística real e com finalidades propositivas que poderiam identificar meios de utilizar os recursos policiais disponíveis para direcionar ações de preventivas com a polícia ostensiva, e corretivas com a polícia investigativa.

Ações integradas diminuiriam a sensação de impunidade, pois a ampliação da capacidade de prevenção quanto na capacidade de investigação, tanto na judicial quanto técnica, poderia levar criminosos à punição, evitando que outros seguissem os passos do crime.
ESTATÍSTICA DESCONFORTÁVEL

Diversos fatores vêm contribuindo ao longo dos anos para amputar as pernas da evolução da segurança pública no Brasil. Além disso, políticas de gestão não levam em consideração o problema real da criminalidade e as peculiaridades estaduais e regionais são meios de justificar a falta de ação adequada em determinados locais e tipos de crime.

As estatísticas reais como ferramenta para acelerar a propositura de soluções direcionadas, viáveis e exequíveis, tem sido enxergada de forma desconfortável e frequentemente tentam desacreditar pesquisadores quanto aos dados que eles informam, encarados como inimigos do estado e não como colaboradores da sociedade.

Um dos meios é evitar a divulgação de dados para os pesquisadores terem mais dificuldade em consubstanciar informações, outras é fornecer dados irreais para eles e outra ainda, é desviar a forma como os Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) são contados. Mas a criação do termo CVLI pela SENASP visou uma uniformização, objetivando que a contagem incluísse, sob a Conditio Sine Qua Non (condição sem a qual ela não aconteceria), todo crime cometido de forma violenta e intencional, que produzisse morte.

Voltando-se unicamente para às leis como meio de definir a contagem, um erro comum busca dizer que apenas os crimes violentos e dolosos que resultem em morte devem ser inseridos no rol dos CVLI, inclusive mostram uma extensa lista de crimes que estão definidos no Código Penal.

Nos despojando desses imbróglios jurídicos, recordemos que o termo Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) tem como fundamento agrupar crimes de maior relevância social, beneficiando uma análise sociológica e científica, e que vão além do homicídio doloso apenas. Essa afirmação é comprovada por meio do documento Metodologia de contagem de Crimes Violentos Letais Intencionais, uma Comunicação Institucional orientada pela SENASP à Secretaria da Segurança e da Defesa Social de João Pessoa, de onde se extrai ipsis litteris:


“A sigla CVLI foi criada em 2006 pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), vinculada ao Ministério da Justiça (MJ), com a finalidade de agregar os crimes de maior relevância social, pois além do homicídio doloso outros crimes também devem ser contabilizados nas estatísticas referentes a mortes. Portanto, fazem parte dos Crimes Violentos Letais Intencionais o homicídio doloso e demais crimes violentos e dolosos que resultem em morte, tais como o roubo seguido de morte (latrocínio), estupro seguido de morte, lesão corporal dolosa seguida de morte, entre outros. Ainda são contados os cadáveres encontrados, ossadas e confrontos policiais”

Isso confere a certeza para a sociedade de que não se está gerando meras estatísticas, com nomes de vítimas transformadas em números sem sentido, mas se está consubstanciando cientificamente dados legítimos que forneçam diretrizes para o entendimento correto da realidade social, econômica, de segurança pública e outras que possam ser utilizadas na promoção da paz.

Embora cause desconforto para alguns policiais que tiveram que, no exercício da sua atividade, encerrar uma vida humana, os números relativos às mortes decorrentes do embate com criminosos e suspeitos também são contados. E quanto a isso recorremos à Cappi, Guedes e Silva (2013 – p. 5), que nos esclarecem:


Nos casos em que ocorrem mortes durante confronto entre criminosos ou suspeitos e policiais militares ou civis, alguns Estados procuram criar dificuldades para aceitar que tais ocorrências sejam registradas como CVLI ou como homicídios, alocando-os na confortável tabela das assim chamadas “mortes a esclarecer”.

Os CVLI não são um entendimento somente é oriundo da SENASP, ele atende à demanda da sociedade de conhecer a realidade das “mortes matadas” e desse conhecimento buscar soluções em aspecto amplo e justo.
CONSIDERAÇÕES

A segurança pública precisa despojar de alguns elementos engessadores que não permitem êxitos duradouros nas operações policiais, como critérios de divulgação de informações que excluem dados importantes, criação de estatísticas que não observam certos aspectos inerentes à correta qualificação, coleta e armazenamento de dadosreferentes à contagem de crimes violentos letais intencionais, somente para mencionar os abordados nesse artigo.

A preservação da vida e da incolumidade das pessoas, deve ser o motivador das estatísticas e análises, criando políticas públicas de segurança que funcionem, e jamais devem ser utilizadas para gerar uma falsa sensação de segurança, que serve como excludente para a responsabilidade do Estado, incapaz de prover uma segurança pública de qualidade para seus cidadãos.

Os Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) e as análises das estatísticas que deles advém, não são elementos para serem vistos como provocação, nem para servirem de meio de apoio político e contra, não são simples ferramentas em busca de evitar o desperdício de vidas num país que contabiliza números assustadores de mais de 50 mil “mortes matadas” por ano.

CVLI não somente uma nomenclatura, sua intenção é criar estatísticas valorizadoras da vida. E é a vida que se deseja permanentemente proteger.

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SOBRE O AUTOR:

Ivenio Hermes é escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves, ativista de direitos humanos e sociais e pesquisador nas áreas de Criminologia, Violência Homicida, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.

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REFERÊNCIAS:

MORAES, Márcio Santiago de. Em busca de um parâmetro democrático para o poder de polícia e a discricionariedade dentro do ciclo de polícia e da persecução penal. In: PIRES, Lenin; EILBAUM, Lucia (Org.).Políticas Públicas de Segurança e Práticas Policiais no Brasil. Niterói: Editora da Uff, 2009. Cap. 10. p. 349-417.

CAPPI, Carlo Crispim Baiocchi; GUEDES, Flúvia Bezerra Bernardo; SILVA, Vinícius Teles da. Importância da Adoção de um Modelo Único de Contagem dos Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI). Conjuntura Econômica Goiana,Goiânia Go, v. 5, n. 27, p.103-113, dez. 2013. Mensal.

RENATO SÉRGIO DE LIMA (Sp). Fórum Brasileiro de Segurança Pública (Org.). Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2013. 7. ed. São Paulo: Open Society Foundations e Fundação Ford, 2013. 138 p.

Governo do Estado da Paraíba (Org.). Metodologia de contagem de Crimes Violentos Letais Intencionais: Secretaria da Segurança e da Defesa Social. João Pessoa: Secretaria de Estado da Comunicação Institucional, 2013. 1 p.

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DIREITOS AUTORAIS E REGRAS PARA REFERÊNCIAS:

É autorizada a reprodução do texto e das informações em todo ou em parte desde que respeitado o devido crédito ao(s) autor(es).

HERMES, Ivenio. CVLI: A Nomenclatura e Suas Estatísticas Valorizadoras da Vida. 2014. Disponível em: < http://j.mp/1u8P4Sj >. Publicado em: 21 jul. 2014.

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