E se não existisse polícia?
Por Otávio Cohen, via
Superinteressante
O que se viu com a greve da PM da
Bahia reflete só parte do caos possível
numa sociedade sem força pública de
segurança. Em 12 dias de paralisação,
o total de homicídios bateu em 180,
mais do que o dobro do período
anterior. O Exército foi convocado
para garantir a ordem, mas isso não
impediu o aumento da criminalidade.
Em 1997, em Pernambuco, PM’s e
policiais civis cruzaram os braços
também por 12 dias. O cenário foi
ainda pior: arrastões de gangues no
Recife, saques, escolas e lojas
fechadas. Nem o Instituto Médico
Legal funcionou.
Na prática, sem pessoal e estrutura
específica para fazer valer o que diz a
Constituição, o Estado perde muita
força. Poderia contratar serviços
específicos para conter um protesto
ou impor uma nova lei, mas fica sem
capacidade adequada de mobilização,
integração, fiscalização. E, mais grave,
diz a pesquisadora Jacqueline Muniz,
o Estado perde a confiança do
cidadão – a essência, que faz com
que cada um pode se achar no direito
de fazer justiça com as próprias mãos.
Prevaleceria nas ruas a lei do mais
forte. Ou melhor, do mais rico. A
segurança ficaria a cargo de empresas
especializadas. Você andaria armado
e poderia até escolher um pacote que
coubesse no seu bolso para se sentir
seguro. Empregadores ofereceriam
planos de segurança, como fazem
com os planos de saúde hoje. Quem
não pudesse pagar as empresas
registradas contrataria mercenários
ou se uniria em milícias. “Grupos
usariam mais violência para garantir a
ordem e a segurança”, afirma
Graham Denyer Willis, do Instituto de
Tecnologia de Massachusetts.
Segundo ele, nada muito diferente do
que ocorre nas comunidades onde a
polícia não entra e quem de fato
manda são os chefes do tráfico.
Uma pesquisa da London School of
Economics mostrou que a maioria
dos ativistas que participaram dos
confrontos e quebra-quebra nas ruas
de cidades inglesas em agosto do ano
passado estava ali para se vingar dos
abusos cometidos pela polícia no
passado. A violência policial é
argumento comum contra a própria
existência da polícia, mas, no fim das
contas, imagine se você não pudesse
nem chamá-la.