Pastor Eurico: o direito à sindicalização está na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
A Câmara analisa a Proposta de Emenda à Constituição 186/12, do deputado Pastor Eurico (PSB-PE), que garante ao militar o direito de greve, de livre associação sindical e a outras formas de manifestação coletiva. Esses direitos serão definidos e limitados em lei específica.
Atualmente, a Constituição impede que o militar participe de qualquer movimento de sindicalização e greve. Por isso, é comum ver a associação das mulheres dos militares em busca dos direitos dos maridos.
O deputado argumenta que, ao negar o direito de greve e sindicalização, a Constituição nega aos militares a condição plena de cidadania. Ele explica ainda que o Brasil já ratificou convenções internacionais sobre direitos de organização e negociação coletiva com direitos aplicáveis às polícias e às Forças Armadas.
“A partir da ratificação dessas convenções, elas passaram a alcançar necessariamente, as Forças Armadas e as forças auxiliares do País, restando ao legislador apenas a alternativa de definir as normas que serão aplicadas de forma restritiva, mas nunca proibitiva”, justifica.
Conheça a história do direito de greve no Brasil
Tramitação
A admissibilidade da PEC será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Se aprovada, será constituída uma comissão especial para analisar o mérito da proposta, que depois seguirá para o Plenário, onde será votada em dois turnos.
Reportagem – Carol Siqueira
Edição – Natalia Doederlein
Abaixo a íntegra da Proposta:
PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº , DE 2012
(Do Sr. Deputado PASTOR EURICO e outros)
Dá nova redação ao inciso IV do parágrafo
3º do art. 142 da Constituição Federal.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal,
nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte
emenda ao texto constitucional:
Art. 1º O inciso IV do parágrafo 3º do art. 142 da Constituição
Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
IV – ao militar, nos termos e limites definidos em lei, são garantidos
o direito à livre associação sindical e o direito de greve e de outras
formas de manifestação coletiva; (NR)
Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de
sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
Em que pese a aura democrática de que se reveste a
Constituição Federal de 88, esta criou uma espécie de cidadãos de segunda classe
ao não aplicar integralmente aos militares os direitos garantidos aos demais
servidores do Estado, inclusive por não permitir a eles o direito de greve e de
sindicalização, direitos humanos universais e inalienáveis. Negá-los a alguém, é
negar-lhe a plena condição de cidadania.
O direito à sindicalização está erigido, pela Declaração
Universal dos Direitos do Homem, como um dos direitos humanos fundamentais.
Negá-lo a quem quer que seja coloca o Estado como agressor aos direitos
humanos.2
A Convenção nº 98, sobre a Aplicação dos Princípios do
Direito de Organização e de Negociação Coletiva, de 01/07/1949, aprovada pelo
Decreto Legislativo nº 49, de 27 de agosto de 1952, e promulgada pelo Decreto nº
33.196, de 29 de junho de 1953, reza que “Os trabalhadores gozarão de adequada
proteção contra atos de discriminação com relação a seu emprego” e que “Essa
proteção aplicar-se-á especialmente a atos que visem” a “sujeitar o emprego de um
trabalhador à condição de que não se filie a um sindicato ou deixe de ser membro
de um sindicato” (art. 1º). Em seguida, diz que “A legislação nacional definirá a
medida em que se aplicarão às forças armadas e à polícia as garantias” nela
providas.
Portanto, o direito à sindicalização está, nos termos da
Convenção ratificada pelo Brasil, assegurado tantos aos militares das Forças
Armadas como aos da Forças Auxiliares.
Por sua vez, a Convenção nº 154, sobre o Incentivo à
Negociação Coletiva, de 19/06/1981, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 22, de
12 de maio de 1992, e promulgada pelo Decreto nº 1.256, de 29/09/1994, diz do
“reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva“ e acresce que “A
legislação ou a prática nacionais poderão determinar até que ponto as garantias”
nela previstas “são aplicáveis às Forças Armadas e à Polícia” (art. 1º).
Diante do teor dos dispositivos expostos, o nosso
entendimento vai no sentido de que, a partir da ratificação dessas Convenções,
estas passaram a alcançar, necessariamente, as Forças Armadas e as Forças
Auxiliares do País, restando ao legislador pátrio apenas a alternativa de definir as
normas que serão aplicadas de forma restritiva, mas nunca proibitiva, porque esse
direito restou assegurado a partir da adesão e subseqüente ratificação do Brasil a
esses instrumentos do direito internacional.
Desse modo, não se pode entender restrição como negação,
e sim como uma concessão sujeita a regras que impõem determinados limites, até
por força de mandamento contido na Declaração Universal dos Direitos do Homem
(1948), da qual o Brasil é signatário (grifo nosso):
Todo homem tem direito a organizar sindicatos e a neles
ingressar para a proteção de seus interesses. (artigo 23, IV)
Diretamente associado ao direito à sindicalização, exsurge o
direito à greve, que, das manifestações coletivas contemporâneas, é, certamente, 3
um dos mais fortes instrumentos de pressão na luta por direitos inerentes ao ser
humano.
O direito à greve é uma conquista obtida na luta contra
arbitrariedades e outros desmandos cometidos pelos patrões, que poderá ser a
própria Administração Pública agindo como empregadora e em polo antagônico aos
seus servidores, na medida em que seus interesses nem sempre serão
convergentes.
A greve está inserida no direito de resistência, na categoria
dos direitos naturais inerentes ao ser humano, dos direitos fundamentais do
trabalhador, enquanto pessoa humana, dos direitos que dispensam normas para
serem exercidos, pois todo o homem tem o poder-dever de lutar pelos seus direitos,
de lutar pela melhoria das condições sociais.
Por isso a greve pode ser entendida como um instrumento da
Democracia a serviço da cidadania, enquanto reação pacífica e ordenada contra os
atos que desrespeitem a dignidade da pessoa humana.
Sindicalização e greve caminham juntas ao longo da história,
sendo difícil falar de uma sem alcançar a outra. Ambas indissociáveis da imagem do
trabalhador e da sua luta por melhores condições laborativas e de remuneração e,
quase sempre, com os seus interesses em pólo antagônico aos interesses do
patronato. Como ensina Júlio César do Prado Leite:
A greve é um direito fundamental que se arrima na Declaração dos
Direitos do Homem (…) Com efeito, o ato internacional em causa, de
modo explícito, cuida de assegurar condições justas e favoráveis de
trabalho. Para obtê-las ou confirmá-las todo trabalhador tem direito
a organizar sindicatos e neles ingressar para a proteção de seus
interesses. Não há greve sem sindicato. O sindicato tornar-se-ia
uma mera associação corporativa assistencial se não dispuser do
direito de fazer greve. (grifo nosso)
O Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, de 16/12/1966, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 226, de
12 de dezembro de 1991, e promulgado pelo Decreto n° 591, de 6 de julho de 1992,
colocou o direito à greve de forma expressa (grifos nossos):
Artigo 8º4
1. Os Estados-Partes no presente Pacto comprometem-se a
garantir: (…)
d) O direito de greve, exercido em conformidade com as leis de
cada país.
2. O presente artigo não impedirá que se submeta a restrições
legais o exercício desses direitos pelos membros das forças
armadas, da polícia ou da administração pública.
Da leitura desses dispositivos do Pacto Internacional em
questão é possível depreender a greve como um direito fundamental inerente a
todos os homens, trabalhadores do setor privado ou do setor público, inclusive os
membros das forças armadas e policiais que, se podem e devem ser submetidos a
restrições legais quanto ao exercício desse direito, não podem tê-lo simplesmente
ignorado. O Pacto, ratificado pelo Brasil, não fala em negação do direito para os
militares e policiais, mas apenas em restrições, salvo se o legislador, agindo de
deliberada má-fé, pretender levar as restrições a tal monta que as fará eqüivaler à
negação pura e simples desse direito.
Hoje, aos integrantes das Forças Armadas – Marinha, Exército
e Aeronáutica, no âmbito federal – e das Forças Auxiliares – Polícias e Corpos de
Bombeiros Militares, no âmbito estadual, distrital e territorial –, todos sujeitos ao
princípio da hierarquia e da disciplina, é vedado, nos termos da Carta Magna em
vigor, por mais justos que sejam seus anseios e reivindicações, o exercício do direto
de greve porque esse é o mandamento taxativamente colocado (art. 142, § 3º, IV,
da CF/88), aplicável, por extensão, aos militares dos Estados, do Distrito Federal e
dos Territórios (art. 42, § 1.º, da CF/88:
Com isso, em plena vigência das regras da democracia, da
supre-macia dos direitos do homem, foi gerada uma categoria de cidadãos de
segunda clas-se, daqueles que não têm como expressar a insatisfação que
perpassa pelas fileiras castrenses, pois vedações de ordem constitucional, aliadas
ao princípio da hierarquia e da disciplina, têm servido para calar o
descontentamento que aflige os corações e mentes daqueles que sofrem, no seu
dia-a-dia, os rigores da atividade militar.
O chavão “hierarquia e disciplina” tem sido utilizado como
poderoso instrumento para que não haja diálogo e para que os subalternos não
sejam escutados. Tem sido utilizado para fazê-los calar o protesto que trazem
contido no peito. A Constituição Federal tem sido empregada para impedi-los de 5
usar o último argumento que resta ao homem probo, ao cidadão correto, seja civil
ou militar, quando mais nenhuma alternativa lhe resta para restabelecer ou
assegurar aquilo que lhe é negado de direito em termos de dignidade e direitos
humanos.
É histórico, no âmbito das Forças Armadas, a lengalenga de
que é necessário dar o exemplo, de sacrificar o militar em favor da Pátria – a qual
tudo se dá e nada se pede –, que a hierarquia e a disciplina devem ser mantidas a
todo o custo, que os militares devem manter-se disciplinados porque os
Comandantes estão preocupados e levando ao Ministro da Defesa e ao Chefe do
Poder Executivo as necessidades dos seus subordinados, que os Comandantes das
Forças e o Ministro da Defesa são os legítimos representantes, os porta-vozes dos
anseios dos seus subordinados.
Ora, sabidamente, isso não é verdade. A partir do momento
em que os Comandantes das Forças e o Ministro da Defesa são da livre escolha e
exoneração do Presidente da República, assim como as promoções dos oficiaisgenerais são também submetidas ao crivo do Chefe do Executivo, é evidente que
estes homens passam a representar este Poder perante os seus subordinados, e
não os seus subordinados perante o Poder Executivo, como se apregoa pelos
quartéis afora.
Os oficiais-generais são homens de confiança do Chefe do
Executivo e do Ministro da Defesa que, para alcançar esses postos, evidentemente,
fizeram concessões ao longo da carreira, e continuarão a fazê-las para nela
permanecerem. Insurgir-se contra as orientações e determinações brotadas do
Governo significaria a exoneração do cargo e o encerramento da carreira. Alguns
exemplos de passado recente bem demonstram isso. Assim, quem se arriscaria a
defender seus subordinados, contra determinações brotadas do Poder Executivo,
com essa espada de Dâmocles sob sua cabeça?
Os militares, na realidade, estão órfãos de quem
verdadeiramente possa representar os interesses das instituições militares e dos
seus integrantes porque não têm quem possa efetivamente falar em nome deles,
não dispõem de representação legal, nem de quem possa fazer lobby em favor
deles, nem possuem instrumentos legais que possam funcionar como mecanismos
de pressão.
Finalmente, tivessem os militares direito à sindicalização, à
greve e a outras formas de manifestação coletiva, poderiam ser efetivamente
escutados nos seus anseios.6
É preciso que se diga que a hierarquia e a disciplina, que
servem para a condução de homens nos campos de batalha e em operações
militares diversas, não servem para alimentar as famílias dos militares que estão
carentes em seus lares, pois o voto de sacrifício pela Pátria, até à custa da própria
vida, foi destes, e não das suas mulheres e filhos.
Diante de tudo o quanto foi exposto, entendemos que a
solução está em aprovar a Proposta de Emenda à Constituição ora apresentada
porque, não só permitiria o direito pátrio adequar-se aos tratados internacionais já
ratificados pelo Brasil, como também possibilitaria aos militares das Forças Armadas
e das Forças Auxiliares, hoje castrados em seus direitos de cidadãos, o pleno
exercício desses direitos.
Cabe observar que chegou a ser pensado em assegurar-se o
direito de greve aos militares desde que 30% do efetivo permanecesse em atividade
normal. Depois, nos pareceu de bom alvitre que dispositivo nesse sentido estará
melhor na lei que vier a ser editada, regulamentando o direito que se pretende ver,
agora, constitucionalmente estabelecido.
Na certeza de que os nossos nobres pares bem saberão
aquilatar a importância e o alcance político da presente proposição, aguardo
confiante pela sua aprovação.
Sala das Sessões, em de de 2012.
Deputado PASTOR EURICO