Projeto garante ao militar o direito à associação sindical e à greve

quinta-feira, 23 de maio de 2013


Pastor Eurico: o direito à sindicalização está na Declaração Universal dos Direitos do Homem.

A Câmara analisa a Proposta de Emenda à Constituição 186/12, do deputado Pastor Eurico (PSB-PE), que garante ao militar o direito de greve, de livre associação sindical e a outras formas de manifestação coletiva. Esses direitos serão definidos e limitados em lei específica.

Atualmente, a Constituição impede que o militar participe de qualquer movimento de sindicalização e greve. Por isso, é comum ver a associação das mulheres dos militares em busca dos direitos dos maridos.

O deputado argumenta que, ao negar o direito de greve e sindicalização, a Constituição nega aos militares a condição plena de cidadania. Ele explica ainda que o Brasil já ratificou convenções internacionais sobre direitos de organização e negociação coletiva com direitos aplicáveis às polícias e às Forças Armadas.

“A partir da ratificação dessas convenções, elas passaram a alcançar necessariamente, as Forças Armadas e as forças auxiliares do País, restando ao legislador apenas a alternativa de definir as normas que serão aplicadas de forma restritiva, mas nunca proibitiva”, justifica.



Conheça a história do direito de greve no Brasil



Tramitação

A admissibilidade da PEC será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Se aprovada, será constituída uma comissão especial para analisar o mérito da proposta, que depois seguirá para o Plenário, onde será votada em dois turnos.



Reportagem – Carol Siqueira

Edição – Natalia Doederlein


Abaixo a íntegra da Proposta:

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº , DE 2012

(Do Sr. Deputado PASTOR EURICO e outros)

Dá nova redação ao inciso IV do parágrafo

3º do art. 142 da Constituição Federal.



As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal,

nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte

emenda ao texto constitucional:

Art. 1º O inciso IV do parágrafo 3º do art. 142 da Constituição

Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

IV – ao militar, nos termos e limites definidos em lei, são garantidos

o direito à livre associação sindical e o direito de greve e de outras

formas de manifestação coletiva; (NR)



Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de

sua publicação.



JUSTIFICAÇÃO

Em que pese a aura democrática de que se reveste a

Constituição Federal de 88, esta criou uma espécie de cidadãos de segunda classe

ao não aplicar integralmente aos militares os direitos garantidos aos demais

servidores do Estado, inclusive por não permitir a eles o direito de greve e de

sindicalização, direitos humanos universais e inalienáveis. Negá-los a alguém, é

negar-lhe a plena condição de cidadania.

O direito à sindicalização está erigido, pela Declaração

Universal dos Direitos do Homem, como um dos direitos humanos fundamentais.

Negá-lo a quem quer que seja coloca o Estado como agressor aos direitos

humanos.2

A Convenção nº 98, sobre a Aplicação dos Princípios do

Direito de Organização e de Negociação Coletiva, de 01/07/1949, aprovada pelo

Decreto Legislativo nº 49, de 27 de agosto de 1952, e promulgada pelo Decreto nº

33.196, de 29 de junho de 1953, reza que “Os trabalhadores gozarão de adequada

proteção contra atos de discriminação com relação a seu emprego” e que “Essa

proteção aplicar-se-á especialmente a atos que visem” a “sujeitar o emprego de um

trabalhador à condição de que não se filie a um sindicato ou deixe de ser membro

de um sindicato” (art. 1º). Em seguida, diz que “A legislação nacional definirá a

medida em que se aplicarão às forças armadas e à polícia as garantias” nela

providas.

Portanto, o direito à sindicalização está, nos termos da

Convenção ratificada pelo Brasil, assegurado tantos aos militares das Forças

Armadas como aos da Forças Auxiliares.

Por sua vez, a Convenção nº 154, sobre o Incentivo à

Negociação Coletiva, de 19/06/1981, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 22, de

12 de maio de 1992, e promulgada pelo Decreto nº 1.256, de 29/09/1994, diz do

“reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva“ e acresce que “A

legislação ou a prática nacionais poderão determinar até que ponto as garantias”

nela previstas “são aplicáveis às Forças Armadas e à Polícia” (art. 1º).

Diante do teor dos dispositivos expostos, o nosso

entendimento vai no sentido de que, a partir da ratificação dessas Convenções,

estas passaram a alcançar, necessariamente, as Forças Armadas e as Forças

Auxiliares do País, restando ao legislador pátrio apenas a alternativa de definir as

normas que serão aplicadas de forma restritiva, mas nunca proibitiva, porque esse

direito restou assegurado a partir da adesão e subseqüente ratificação do Brasil a

esses instrumentos do direito internacional.

Desse modo, não se pode entender restrição como negação,

e sim como uma concessão sujeita a regras que impõem determinados limites, até

por força de mandamento contido na Declaração Universal dos Direitos do Homem

(1948), da qual o Brasil é signatário (grifo nosso):

Todo homem tem direito a organizar sindicatos e a neles

ingressar para a proteção de seus interesses. (artigo 23, IV)

Diretamente associado ao direito à sindicalização, exsurge o

direito à greve, que, das manifestações coletivas contemporâneas, é, certamente, 3

um dos mais fortes instrumentos de pressão na luta por direitos inerentes ao ser

humano.

O direito à greve é uma conquista obtida na luta contra

arbitrariedades e outros desmandos cometidos pelos patrões, que poderá ser a

própria Administração Pública agindo como empregadora e em polo antagônico aos

seus servidores, na medida em que seus interesses nem sempre serão

convergentes.

A greve está inserida no direito de resistência, na categoria

dos direitos naturais inerentes ao ser humano, dos direitos fundamentais do

trabalhador, enquanto pessoa humana, dos direitos que dispensam normas para

serem exercidos, pois todo o homem tem o poder-dever de lutar pelos seus direitos,

de lutar pela melhoria das condições sociais.

Por isso a greve pode ser entendida como um instrumento da

Democracia a serviço da cidadania, enquanto reação pacífica e ordenada contra os

atos que desrespeitem a dignidade da pessoa humana.

Sindicalização e greve caminham juntas ao longo da história,

sendo difícil falar de uma sem alcançar a outra. Ambas indissociáveis da imagem do

trabalhador e da sua luta por melhores condições laborativas e de remuneração e,

quase sempre, com os seus interesses em pólo antagônico aos interesses do

patronato. Como ensina Júlio César do Prado Leite:

A greve é um direito fundamental que se arrima na Declaração dos

Direitos do Homem (…) Com efeito, o ato internacional em causa, de

modo explícito, cuida de assegurar condições justas e favoráveis de

trabalho. Para obtê-las ou confirmá-las todo trabalhador tem direito

a organizar sindicatos e neles ingressar para a proteção de seus

interesses. Não há greve sem sindicato. O sindicato tornar-se-ia

uma mera associação corporativa assistencial se não dispuser do

direito de fazer greve. (grifo nosso)

O Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais, de 16/12/1966, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 226, de

12 de dezembro de 1991, e promulgado pelo Decreto n° 591, de 6 de julho de 1992,

colocou o direito à greve de forma expressa (grifos nossos):

Artigo 8º4

1. Os Estados-Partes no presente Pacto comprometem-se a

garantir: (…)

d) O direito de greve, exercido em conformidade com as leis de

cada país.

2. O presente artigo não impedirá que se submeta a restrições

legais o exercício desses direitos pelos membros das forças

armadas, da polícia ou da administração pública.

Da leitura desses dispositivos do Pacto Internacional em

questão é possível depreender a greve como um direito fundamental inerente a

todos os homens, trabalhadores do setor privado ou do setor público, inclusive os

membros das forças armadas e policiais que, se podem e devem ser submetidos a

restrições legais quanto ao exercício desse direito, não podem tê-lo simplesmente

ignorado. O Pacto, ratificado pelo Brasil, não fala em negação do direito para os

militares e policiais, mas apenas em restrições, salvo se o legislador, agindo de

deliberada má-fé, pretender levar as restrições a tal monta que as fará eqüivaler à

negação pura e simples desse direito.

Hoje, aos integrantes das Forças Armadas – Marinha, Exército

e Aeronáutica, no âmbito federal – e das Forças Auxiliares – Polícias e Corpos de

Bombeiros Militares, no âmbito estadual, distrital e territorial –, todos sujeitos ao

princípio da hierarquia e da disciplina, é vedado, nos termos da Carta Magna em

vigor, por mais justos que sejam seus anseios e reivindicações, o exercício do direto

de greve porque esse é o mandamento taxativamente colocado (art. 142, § 3º, IV,

da CF/88), aplicável, por extensão, aos militares dos Estados, do Distrito Federal e

dos Territórios (art. 42, § 1.º, da CF/88:

Com isso, em plena vigência das regras da democracia, da

supre-macia dos direitos do homem, foi gerada uma categoria de cidadãos de

segunda clas-se, daqueles que não têm como expressar a insatisfação que

perpassa pelas fileiras castrenses, pois vedações de ordem constitucional, aliadas

ao princípio da hierarquia e da disciplina, têm servido para calar o

descontentamento que aflige os corações e mentes daqueles que sofrem, no seu

dia-a-dia, os rigores da atividade militar.

O chavão “hierarquia e disciplina” tem sido utilizado como

poderoso instrumento para que não haja diálogo e para que os subalternos não

sejam escutados. Tem sido utilizado para fazê-los calar o protesto que trazem

contido no peito. A Constituição Federal tem sido empregada para impedi-los de 5

usar o último argumento que resta ao homem probo, ao cidadão correto, seja civil

ou militar, quando mais nenhuma alternativa lhe resta para restabelecer ou

assegurar aquilo que lhe é negado de direito em termos de dignidade e direitos

humanos.

É histórico, no âmbito das Forças Armadas, a lengalenga de

que é necessário dar o exemplo, de sacrificar o militar em favor da Pátria – a qual

tudo se dá e nada se pede –, que a hierarquia e a disciplina devem ser mantidas a

todo o custo, que os militares devem manter-se disciplinados porque os

Comandantes estão preocupados e levando ao Ministro da Defesa e ao Chefe do

Poder Executivo as necessidades dos seus subordinados, que os Comandantes das

Forças e o Ministro da Defesa são os legítimos representantes, os porta-vozes dos

anseios dos seus subordinados.

Ora, sabidamente, isso não é verdade. A partir do momento

em que os Comandantes das Forças e o Ministro da Defesa são da livre escolha e

exoneração do Presidente da República, assim como as promoções dos oficiaisgenerais são também submetidas ao crivo do Chefe do Executivo, é evidente que

estes homens passam a representar este Poder perante os seus subordinados, e

não os seus subordinados perante o Poder Executivo, como se apregoa pelos

quartéis afora.

Os oficiais-generais são homens de confiança do Chefe do

Executivo e do Ministro da Defesa que, para alcançar esses postos, evidentemente,

fizeram concessões ao longo da carreira, e continuarão a fazê-las para nela

permanecerem. Insurgir-se contra as orientações e determinações brotadas do

Governo significaria a exoneração do cargo e o encerramento da carreira. Alguns

exemplos de passado recente bem demonstram isso. Assim, quem se arriscaria a

defender seus subordinados, contra determinações brotadas do Poder Executivo,

com essa espada de Dâmocles sob sua cabeça?

Os militares, na realidade, estão órfãos de quem

verdadeiramente possa representar os interesses das instituições militares e dos

seus integrantes porque não têm quem possa efetivamente falar em nome deles,

não dispõem de representação legal, nem de quem possa fazer lobby em favor

deles, nem possuem instrumentos legais que possam funcionar como mecanismos

de pressão.

Finalmente, tivessem os militares direito à sindicalização, à

greve e a outras formas de manifestação coletiva, poderiam ser efetivamente

escutados nos seus anseios.6

É preciso que se diga que a hierarquia e a disciplina, que

servem para a condução de homens nos campos de batalha e em operações

militares diversas, não servem para alimentar as famílias dos militares que estão

carentes em seus lares, pois o voto de sacrifício pela Pátria, até à custa da própria

vida, foi destes, e não das suas mulheres e filhos.

Diante de tudo o quanto foi exposto, entendemos que a

solução está em aprovar a Proposta de Emenda à Constituição ora apresentada

porque, não só permitiria o direito pátrio adequar-se aos tratados internacionais já

ratificados pelo Brasil, como também possibilitaria aos militares das Forças Armadas

e das Forças Auxiliares, hoje castrados em seus direitos de cidadãos, o pleno

exercício desses direitos.

Cabe observar que chegou a ser pensado em assegurar-se o

direito de greve aos militares desde que 30% do efetivo permanecesse em atividade

normal. Depois, nos pareceu de bom alvitre que dispositivo nesse sentido estará

melhor na lei que vier a ser editada, regulamentando o direito que se pretende ver,

agora, constitucionalmente estabelecido.

Na certeza de que os nossos nobres pares bem saberão

aquilatar a importância e o alcance político da presente proposição, aguardo

confiante pela sua aprovação.

Sala das Sessões, em de de 2012.

Deputado PASTOR EURICO

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