Brasília - No final de 2005, logo após o caso do mensalão estourar, em entrevista ao Estado, Delúbio Soares avaliou a
crise no PT e previu que o julgamento do mensalão não iria para frente. "Nós seremos vitoriosos, não só na Justiça, mas
no processo político. É só ter calma. Em três ou quatro anos, tudo será esclarecido e esquecido, e acabará virando piada
de salão", apostou. Contrariando essa e outras previsões que colocavam em dúvida o julgamento sobre a principal crise
do governo Lula, a data foi marcada. Sete anos após o caso vir à tona, os 38 réus do mensalão vão à Corte no dia 2 de
agosto de 2012.
A surpresa, no entanto, recai sobre o papel de Delúbio na história. A cúpula petista decidiu, a um mês do desacreditado
julgamento do caso, que o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares (o mesmo que não acreditou que o caso iria ao tribunal)
assumiria que partiu somente dele a iniciativa de formar o caixa 2 para o financiamento de partidos e parlamentares que
se coligaram com os petistas nas eleições de 2002 e 2004.
E foi o que aconteceu. Em memorial sucinto enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), Delúbio Soares assumiu
sozinho a responsabilidade pela distribuição de recursos ilegais a políticos e partidos da base aliada do governo Luiz
Inácio Lula da Silva. Mas negou que os pagamentos tivessem relação com o "falacioso mensalão" e alegou ser inocente
das acusações de corrupção ativa e formação de quadrilha.
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Conforme do STF, nas duas primeiras semanas de agosto, haverá dez sessões diárias para que a
Procuradoria-Geral da República, o ministro relator e os advogados dos 38 réus façam as suas alegações
A iniciativa de colocar a conta do mensalão nos ombros de Delúbio para livrar os demais réus foi combinada pelo
"núcleo central da quadrilha", definição usada pela Procuradoria-Geral da República na denúncia entregue ao STF em
2007, como antecipou o Estado em 2 de julho. O acerto teria sido articulado entre o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil),
apontado como "chefe da organização criminosa", o ex-presidente do PT José Genoino e o próprio Delúbio.
A estratégia de confissão de Delúbio é a seguinte: ao afirmar que foi atrás do dinheiro que resultou no caixa 2 sem pedir
a autorização a ninguém, Delúbio fará mais do que manter o silêncio sobre o escândalo. E ainda abrirá o caminho para
que José Dirceu possa reafirmar, no Supremo Tribunal Federal (STF), que estava afastado do partido, não acompanhava
as finanças petistas e que não há no processo uma única testemunha ou ato que o incrimine.
Somados a investigação da PF e da CPI criada em 2005, o inquérito do mensalão tem ao todo 77 volumes e mais de 13
mil páginas. Um total de 38 pessoas figura na lista de réus. Entre eles estão o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil),
apontado como cabeça do esquema, o ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro Delúbio Soares e o
marqueteiro Duda Mendonça, além do publicitário Marcos Valério, apontado como operador financeiro do mensalão.
Pela denúncia, apresentada e aceita pelo STF em agosto de 2007, tudo teria sido arquitetado durante a eleição de 2002 e
passou a ser executado em 2003.
Eles vão responder pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, peculato e formação de
quadrilha. Originalmente, o MPF denunciou 40 réus, mas um morreu (o ex-deputado José Janene) e outro fez acordo
para cumprir pena alternativa (o ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira).
O atual procurador-geral, Roberto Gurgel, pediu a absolvição de dois outros réus dos autos - um deles é o ex-ministro
Luiz Gushiken (Comunicação do Governo). Recentemente, pediu também a investigação de mais dois deputados: Carlos
Bezerra (PMDB-MT) e José Mentor (PT-SP), ambos por suspeitas de terem favorecido o esquema de compra de apoio
político.
O julgamento da ação penal do mensalão começará dia 2 de agosto e deverá ter a participação dos 11 ministros da atual
composição do tribunal. Para fechar o ano com o mensalão julgado, o STF arcou com um custo elevado chegando a
revelar algumas rusgas entre ministros. O calendário corrido permitiu que Cezar Peluso, considerado como um dos mais
experientes, e Carlos Ayres Britto, atual presidente da Corte, participassem do julgamento.
Como funcionava o esquema, segundo a acusação
1 EMPRÉSTIMOS
BMG e Banco Rural fizeram empréstimos ao PT e a empresas do publicitário Marcos Valério, entre 2003 e 2005, num
valor total de R$ 55,2 milhões.
2 DÍVIDAS
Os beneficiários conseguiram rolar as dívidas com as instituições financeiras pelo menos 30 vezes.
3 GARANTIAS
As garantias oferecidas pelo PT eram recursos de filiados e do fundo partidário; por Valério eram contratos com o
Governo.
4 PAGAMENTO
O dinheiro era usado para pagamento de dívidas de campanha do PT e para compra de apoio parlamentar no
Congresso.
José Dirceu - o chefe
Superministro de Lula, viu o prestígio político começar a ruir em fevereiro de 2004, quando Waldomiro Diniz, homem de
sua estrita confiança, foi exonerado do cargo de subchefe de Assuntos Parlamentares da Presidência da República, após
denúncias de que negociava com bicheiros o favorecimento em concorrências, em troca de propinas e contribuições
para campanhas eleitorais.
Delúbio Soares - o articulador
Segundo o deputado Roberto Jefferson, o sindicalista Delúbio Soares, que ficou conhecido atuando no Movimento da
Anistia em Goiânia, era o gestor do caixa dois do PT, criado para financiar campanhas e comprar o apoio de
parlamentares a projetos de interesse do Governo.
Marcos Valério de Souza - o operador
Dono das agências DNA e SMPB, que prestavam serviços para empresas estatais. Segundo o deputado Roberto Jefferson
(PTB-RJ), o publicitário ajudava o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, na distribuição das mesadas de R$ 30 mil a
deputados do PP e do PL. Em depoimento na CPI do Correios, o publicitário negou as acusações.
Roberto Jefferson
ex-deputado federal, presidente do PTB, Roberto Jefferson foi citado em uma gravação clandestina e depois admitiu que
aliados do presidente Lula recebiam dinheiro para aprovar projetos de interesse do Governo.
José Genoíno
foi acusado de levar o PT a fazer caixa dois para campanhas próprias e de aliados. Genoíno foi apontado por Jefferson
de ajudar nas negociações com aliados e com o Governo na compra de votos de congressistas.
Sílvio Pereira
ex-secretário-geral do PT, foi acusado pelo deputado Roberto Jefferson de negociar nomeações de cargos em estatais.
Segundo Jefferson, as negociações eram fechadas em uma sala da Casa Civil.
Fernanda Somaggio
ex-secretária de Valério, Fernanda confirmou que o patrão tinha contatos frequentes com os petistas José Dirceu, Delúbio
Soares e Sílvio Pereira. Depois, disse que o publicitário fazia saques bancários de até R$ 1 milhão.
RAMON HOLLERBACH
sócio de Marcos Valério.
CRISTIANO PAZ
sócio de Marcos Valério na SMP&B, Graffiti e DNA.
ROGÉRIO TOLENTINO
braço direito de Valério.
SIMONE VASCONCELOS
diretora administrativa e financeira da SMP&B.
GEIZA DIAS
gerente financeira da SMP&B.
KÁTIA RABELLO
presidenta do Banco Rural, na época do escândalo.
JOSÉ ROBERTO SALGADO
executivo do Banco Rural.
VINÍCIUS SAMARANE
diretor do Banco Rural.
AYANNA TENÓRIO
executiva do Banco Rural.
JOÃO PAULO CUNHA
presidente da Câmara dos Deputados, na época.
PEDRO CORRÊA
então presidente do PP.
LUIZ GUSHIKEN
secretário de Comunicação Social, na época.
HENRIQUE PIZZOLATO
diretor de marketing do Banco do Brasil.
JOSÉ JANENE
deputado federal.
JOÃO CLÁUDIO GENU
assessor do deputado José Janene.
PEDRO HENRY
ex-líder do PP, arrecadou R$ 4 milhões.
ENIVALDO QUADRADO
sócio da Corretora Bônus Banval.
VALDEMAR COSTA NETO
deputado e ex-presidente do PL (hoje PR).
JACINTO LAMAS
tesoureiro do PL (atual PR).
CARLOS ALBERTO QUAGLIA
dono da Natimar.
BRENO FISCHBERG
sócio da Corretora Bônus Banval.
ANTÔNIO LAMAS
assessor da liderança do PL.
BISPO RODRIGUES
deputado federal (PL-RJ) e vice-presidente do partido.
EMERSON PALMIERI
tesoureiro informal
do PTB e diretor de administração e finanças da Embratur.
ROMEU QUEIROZ deputado federal pelo PTB.
JOSÉ BORBA
líder do PMDB, recebeu R$ 2,1 milhões do esquema do mensalão.
PAULO ROCHA
deputado federal (PT-PA).
ANITA LEOCÁDIA
assessora de Paulo Rocha.
PROFESSOR LUIZINHO
líder do Governo na Câmara, na ocasião do escândalo.
JOÃO MAGNO
deputado federal sacou R$ 426 mil das contas de Valério.
ANDERSON ADAUTO
ministro dos Transportes de Lula, em 2003 e 2004, e prefeito de Uberaba, a partir de 2005.
JOSÉ LUIZ ALVES
chefe de gabinete de Anderson Adauto.
DUDA MENDONÇA
publicitário que trabalhou em 2002, na vitoriosa campanha de Lula.
ZILMAR FERNANDES
sócia de Duda Mendonça, ficou conhecida por realizar saques de R$ 250 mil em espécie no Banco Rural.
Quem são os ministros que vão julgar o mensalão
LUIZ FUX
primeira indicação da presidenta Dilma Rousseff, está no STF desde março de 2011.
CÁRMEN LÚCIA
é ministra do Supremo desde 2006, por indicação do ex-presidente Lula.
JOAQUIM BARBOSA
está no Supremo desde 2003 por indicação do ex-presidente Lula da Silva.
GILMAR MENDES
Eestá no STF desde 2002, indicado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
CELSO DE MELLO
mais antigo entre os atuais juízes, está no STF desde 1989, indicado por Sarney.
CARLOS AYRES BRITTO
está no Supremo desde 2003, indicado por Lula. É presidente do STF.
MARCO AURÉLIO MELLO
ministro do Supremo, desde 1990, indicado pelo ex-presidente Fernando Collor.
CEZAR PELUSO
Ministro da corte desde 2003, nomeado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
RICARDO LEWANDOWSKI
ministro do STF, desde 2006, indicado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
ROSA WEBER
está no Supremo desde dezembro de 2011, indicada pela presidenta Dilma Rousseff.
DIAS TOFFOLI
está no STF desde 2009, nomeado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, será o acusador do mensalão, mas a defesa dos réus tentarão
desqualificá-lo por ter "engavetado" o processo contra o ex-senador Demóstenes Torres.
Secretário da sessão, indicado pelo presidente do STF para assessorar os ministros durante o período do julgamento.
Nome ainda não foi divulgado.
Plenário
Nome dos ministros e a ordem de votação no Supremo
1º Joaquim Barbosa
2º Ricardo Lewandowski
3º Rosa Weber
4º Luiz Fux
5º Dias Toffolli
6º Cármen Lúcia
7º Cezar Peluso
8º Gilmar Mendes
9º Marco Aurélio Mello
10º Celso de Mello
11º Carlos Ayres Britto
Saiba como será o rito de julgamento do processo
Brasília (AE) - Previsto para ser um dos maiores julgamentos da história do Supremo Tribunal Federal (STF), o caso do
mensalão deve bater o recorde de sessões da Corte. O início está estipulado para o dia 2 de agosto. As primeiras
estimativas do presidente do STF, Carlos Ayres Britto, previam 120 horas de julgamento. Serão pelo menos 24 sessões
ordinárias, ou oito semanas de julgamento, apenas para o mensalão. Em 120 anos, os julgamentos mais longos da
história do Supremo duraram, no máximo, sete sessões.
O rito traçado pelos ministros do Supremo define que, nas duas primeiras semanas de agosto, haverá dez sessões
diárias de segunda a sexta-feira para que a Procuradoria-Geral da República (PGR), o ministro relator Joaquim Barbosa e
os advogados dos 38 réus façam as suas alegações.
O primeiro a falar será o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, que fará a leitura da síntese do seu relatório,
resumida em 3 páginas. O processo original contém mais de mil páginas. Barbosa divulgou antecipadamente o conteúdo
em formato digital a todos os ministros da Supremo, ao procurador-geral da República e aos réus. A iniciativa é inédita e
o processo foi o primeiro do STF a ser inteiramente digitalizado.
Barbosa será seguido pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que terá até cinco horas para apresentar os
argumentos da acusação. Depois, os advogados (que podem ser mais de um por réu) terão 1 hora cada para sua
explanação. Como são 38 réus, estima-se que, no mínimo, 38 horas com os advogados na tribuna.
A partir da terceira semana de agosto tem início a segunda fase do julgamento, com o início das discussões em plenário
e com a manifestação dos votos dos ministros. As sessões serão realizadas três vezes por semana (as segundas, quartas
e quintas), partir das 14h, e não há previsão de quantas serão necessárias.
O relator será o primeiro a votar. Depois, vota o revisor, ministro Ricardo Lewandowski. Em seguida, a votação segue por
ordem inversa de antiguidade, da ministra Rosa Weber, a mais nova na Corte, até o ministro decano, Celso de Mello. O
presidente do STF, ministro Carlos Ayres Britto, será o último a votar.
Para fechar o ano com o mensalão julgado, o STF arcou com um custo elevado. Novamente, ministros vieram a público
criticar outros colegas ou colocá-los sob suspeita de estarem a serviço de uma causa político-partidária.
No episódio mais recente dos embates, o ministro Ricardo Lewandowski travou uma batalha de ofícios com o presidente
da Corte, Carlos Ayres Britto, sugerindo que o colega queria precipitar o julgamento, criando um "odioso procedimento
de exceção". Veladamente, ministros alimentaram as críticas de que o presidente do tribunal estaria dando ao mensalão
um trâmite inusual.
O calendário acelerado do processo, que terá rito especial de julgamento, permitirá que o ministro Cezar Peluso,
apontado inclusive pelos advogados do processo como um dos mais experientes da Corte, participe das sessões. Peluso
completa 70 anos no início de setembro e, para participar do julgamento do caso, precisará antecipar seu voto.
Para viabilizar sua participação, Peluso terá de furar a fila de "votação". Pela ordem, Peluso seria o sexto a votar, depois
dos ministros Joaquim Barbosa, relator do processo; Ricardo Lewandowski, revisor; e de outros quatro ministros. Se
respeitasse a ordem, Peluso se aposentaria sem que tivesse a chance de proferir seu voto.
O julgamento a partir de agosto garante também a participação do atual presidente do STF, ministro Carlos Ayres Britto.
Em novembro, Britto fará 70 anos de idade e, a exemplo de Peluso, obrigatoriamente terá de se aposentar. Se o
julgamento fosse deixado para o final do ano, como estimava inicialmente Lewandowski e outros ministros - que só
atuavam nos bastidores nesse sentido -, Britto também não participaria.
Revista inglesa destaca julgamento do mensalão
São Paulo (AE) - A revista britânica The Economist qualificou como um sinal de "progresso" no Brasil o fato de o
escândalo do mensalão ir a julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). "Cadeia para políticos corruptos ainda pode
ser algo improvável, mas não mais impensável", afirma o texto, publicado na seção dedicada à cobertura do noticiário
nas Américas. A revista afirma que, no Brasil, ter má reputação não é impedimento para uma carreira política - e cita os
exemplos de Fernando Collor e Paulo Maluf, eleitos para o Congresso após acusações de envolvimento em casos de
corrupção.
O texto destaca ainda que políticos com mandato têm foro privilegiado na Justiça - apenas o STF pode julgá-los. "Nesse
contexto, o julgamento de 38 pessoas acusadas de envolvimento no maior escândalo de corrupção dos anos recentes no
Brasil é uma raridade."
Para a Economist, o impacto político do julgamento deve ser limitado para o PT e para os principais líderes do partido. O
petista Luiz Inácio Lula da Silva, lembra a revista, foi reeleito presidente um ano depois que o escândalo do mensalão
estourou na imprensa. É ainda mais improvável, segundo a Economist, que haja dano político para a presidente Dilma
Rousseff. "Nenhum dos réus no caso é próximo a ela. E, por ter demitido vários ministros acusados de corrupção no
início de seu mandato, Dilma se protegeu da ameaça de contágio por associação."
O texto destaca ainda que uma onda de maior transparência em relação aos gastos públicos vem dificultando os desvios
de recursos no poder público. "Uma nova lei de acesso à informação faz com que seja mais difícil para os políticos
encher de comparsas as folhas de pagamento do setor público".
"A boa notícia é que, para ser corrupto no Brasil, você precisa ser mais criativo agora do que há dez ou quinze anos",
afirmou João Castro Neves, da empresa de consultoria Eurasia Group, um dos entrevistados pela publicação.
Tribuna do norte