Polícia Militar: Reforma e controle, não extinção
O debate sobre a extinção das polícias militares reabre, mais uma vez, a ferida do colapso da segurança
pública no Brasil.
De um problema social de primeira grandeza, a segurança teima em ser relegada à condição de pária político,
da qual grande parcela dos políticos procura manter uma distância regulamentar ou, se a assume em seus
discursos, é para explorá-la a partir do culto ao ódio ou do medo da população.
Afinal, a violência urbana persiste como um dos mais graves problemas sociais no Brasil, totalizando mais de
800 mil vítimas fatais nos últimos 15 anos.
Nosso sistema é caro, ineficiente, capacita e paga mal os policiais e convive com padrões operacionais
inaceitáveis de letalidade e vitimização policial.
Em suma, não conseguimos oferecer serviços de qualidade e, com isso, reforçamos a perversa desigualdade
social do país.
É fato que a história recente da segurança pública no Brasil tem sido marcada por demandas acumuladas e
mudanças incompletas. Ganhos, como a redução entre 2000 e 2011 dos homicídios em São Paulo, tendem a
perder força, na medida em que não há normas técnicas, regras de conduta ou padrões capazes de modificar
culturas organizacionais ainda baseadas na defesa do Estado e não da sociedade.
As instituições policiais e de justiça criminal não experimentaram reformas significativas nas suas estruturas.
Avanços eventuais no aparato policial e reformas na legislação penal têm se revelado insuficientes para reduzir
a incidência da violência urbana, numa forte evidência da falta de coordenação e controle.
Por isso, falar em extinção das polícias militares reduz essas questões a um jogo truncado por defesas
corporativas e agendas técnica e politicamente enviesadas e parciais, que podem, mesmo que
involuntariamente, mais contribuir para a manutenção do atual quadro do que para transformá-lo.
Resultados perenes só podem ser obtidos mediante reformas estruturais do sistema de segurança pública e
da Justiça criminal, bem como do efetivo comprometimento político dos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário.
Essas reformas devem envolver a construção de um verdadeiro Sistema Único de Segurança Pública no Brasil,
que tem de:
- Atualizar a distribuição e a articulação de competências entre União, Estados e Municípios;
- Criar mecanismos efetivos de cooperação entre eles;
- Reformar o modelo policial estabelecido pela Constituição para promover a sua maior eficiência;
- E estabelecer requisitos mínimos nacionais para as instituições de segurança pública no que diz respeito à
formação dos profissionais, à prestação de contas, ao uso da força e ao controle externo.
É em torno dessa agenda que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública propôs a criação de uma comissão de
especialistas para subsidiar mudanças legislativas necessárias à sua viabilização, bem como a articulação de
um novo pacto republicano de Poderes para a efetivação prática dessas mudanças.
STF, CNJ, governadores e presidenta da República também têm um papel político que supera em muito os
aspectos técnicos e gerenciais envolvidos.
Tal agenda é capaz de surtir efeitos muito maiores do que a extinção de uma ou de outra polícia.
Se, para Hannah Arendt, a violência aniquila a política, manter o nosso atual modelo de segurança pública
significa a nossa capitulação frente ao medo, a insegurança e a vontade de vingança.
RENATO SÉRGIO DE LIMA , 42, doutor em sociologia pela USP, é membro do Conselho de Administração do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Folha de São Paulo via Asprarnblogspot.com