Consumo de crack já tem registros em 90% das cidades brasileiras

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Um problema de saúde que surgiu
nos maiores centros urbanos
brasileiros passou a ser um desafio
para as autoridades de todo o país.
Segundo a Confederação Nacional
dos Municípios, o consumo de crack
já tem registros em nove de cada dez
cidades. É uma situação que os
repórteres Ismar Madeira e Saulo Luiz
comprovaram no Vale do
Jequitinhonha, em Minas Gerais .
O sertão mineiro, no Vale do
Jequitinhonha, é uma região pobre,
de um povo simples. Na pequena
Araçuaí, Seu Ailton sempre trabalhou
duro para ganhar a vida com
dignidade, e agora vê o filho de 16
anos seguir outro caminho. “Esse aí
entrou lá no meu serviço, no meu
comércio, pegou mercadoria minha,
mas muita e muita e muita. Quando
eu descobri, foi tarde”, ele conta.
Em casa, já não tem mais o que
roubar. Ficaram só alguns móveis. No
quarto, o material usado para
consumir crack. “Enquanto tem, eu
fumo”, confessa o jovem.
O problema na família é em dobro. O
filho mais novo também se viciou em
crack, aos 11 anos de idade. “Essa
droga chegou de repente. Ela veio
para destruir a gente, mas para
acabar com a vida da gente”, lamenta
Ailton.
A poucos quilômetros de Araçuaí, em
Itaobim, é principalmente à noite que
o tráfico toma conta das ruas, em
várias bocas de fumo.
Em todo o Vale do Jequitinhonha, o
consumo do crack chegou
acompanhado do aumento da
violência. No município de Itaobim, o
volume de apreensões da droga
cresceu 73% nos últimos dois anos. E
jovens têm perdido a vida, envolvidos
com o tráfico. Kaíque foi assassinado
aos 15 anos de idade. E o irmão dele,
Johni, foi morto aos 17 anos.
A avó diz que os adolescentes deviam
dinheiro aos traficantes. “Eles vieram
aqui na porta, ameaçaram eles.
Falaram com eles assim: ‘Se vocês não
voltarem para vir pagando de novo,
nós vamos te matar, nós vamos matar
vocês, todos os dois’”, ela lembra.
Os roubos se tornaram frequentes.
“Principalmente em Araçuaí e na
região, esses pequenos furtos
realmente estão aumentando para a
manutenção do vício”, avalia o
tenente Gilamárcio da Rocha, da
Polícia Militar de MG.
Outro jovem traz no corpo as
cicatrizes do tráfico. “Já levei tijolada,
tiro, já levei tapa na cara, porrada”,
ele revela.
A mãe passou a usar um método
radical para impedir que ele saia de
casa para usar crack. “Está sempre aí
na cama. Acho que já tem mais de
um ano que uso essa corrente e este
cadeado. Resolve porque aí ele não
vai para a rua”, ela diz.
“Toda noite ela me prende na cama.
É bom, para eu não ir para a rua usar
droga”, diz o rapaz.
No Vale do Jequitinhonha, não existe
nenhum programa de atendimento
aos dependentes de drogas.
“O problema chegou ao interior. O
tratamento desse problema ainda não
veio”, explica Leda Marques Borges,
secretária de Desenvolvimento Social
de Araçuaí.
“Não há como tratar o usuário do
crack em algumas instâncias, se não
houver uma internação para
desintoxicação. E essa internação,
muitas vezes, tem que ser forçada.
Senão fizermos isso, o problema vai
continuar se avolumando no Brasil.
Há indícios de que ele já está presente
em mais de 90% dos municípios
brasileiros, é um fenômeno de norte
a sul, de leste a oeste. Não há mais
dúvida: vivemos uma grave epidemia
de uso de crack no Brasil”, alerta o
sociólogo Luiz Flávio Sapori.
Mas há exemplos de que é possível
superar o problema. Há dez anos,
Abrão visita as famílias de
dependentes químicos em Itaobim.
Passou a buscar ajuda para quem
pedia. Foi assim que Douglas largou o
vício. Pediu socorro depois de levar
um tiro na perna.
“Ajuda. Primeiramente Deus,
segundo, as pessoas que me
ajudaram”, ele diz sobre o que
considera que foi fundamental para a
recuperação.
O PM formado em enfermagem, com
pós-graduação em dependência
química, vem improvisando no
socorro às vítimas do crack.
Conseguiu o apoio de empresários,
de clínicas ligadas a igrejas e da
Secretaria Municipal de Saúde.
Douglas está há quatro meses sem
usar droga, depois de quase 15 anos
de dependência.
“O vício da droga é experimentá-la.
Eu, graças a Deus, tive tempo ainda.
Mas tem vários que não tem tempo
mais”, alerta Douglas.

G1.com

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